Regras da vida

É inexplicável como os mercadores de conteúdo ainda não lançaram um livro de autoajuda assinado pelo poeta Fernando Pessoa. Conteúdo (para usar uma palavra adequada aos negócios) para um provável campeão de vendas é que não falta.

Fernando Pessoa foi um dos precursores dessa corrida do ouro para aprender a viver consigo mesmo e com os outros. Mesmo se confessando um autêntico futurista – no sentido de quem deixa tudo para amanhã -, o poeta já constatava na “Revista do Comércio e Contabilidade”, onde trabalhava como redator e tradutor, que “estão cheias as livrarias de todo o mundo de livros que ensinam a vencer”. Apesar da ironia com que tratava livros assim, em numerosos papéis Fernando Pessoa escreveu suas próprias “regras da vida”, conta o escritor José Paulo Cavalcanti Filho em sua magnífica obra “Fernando Pessoa – uma quase autobiografia”. Regras “reproduzindo textos religiosos, que professam os caminhos do bom proceder ou antecipando manuais de autoajuda que tanto sucesso fariam mais tarde”. 

Em anotações sem data, o poeta que nunca teve convicções, sempre impressões, sugere um conjunto de regras com essa introdução:“Trabalhar com nobreza, esperar com sinceridade, sentir as pessoas com ternura, esta é a verdadeira filosofia”.

1 – Não tenhas opiniões firmes, nem creias demasiadamente no valor de tuas opiniões.

2- Sê tolerante, porque não tens certeza de nada.

3 – Não julgues ninguém, porque não vês os motivos, mas sim os atos.

4- Espera o melhor e prepara-te para o pior.

5- Não mates nem estragues, porque não sabes o que é a vida, exceto que é um mistério.

6- Não queiras reformar nada, porque não sabes a que leis as coisas obedecem.

7- Faz por agir como os outros e pensar diferentemente deles.

8- Para que um homem seja distintamente e absolutamente moral, tem que ser um pouco estúpido. Para que um homem possa ser absolutamente intelectual, tem que ser um pouco imoral.

9 – Reduzir as necessidades ao mínimo, para que em nada dependamos de outrem.

10- O escrúpulo é a morte da ação.

11 – Faça o menos possível de confidências. Melhor não as fazer, mas, se fizer alguma, faça com que sejam falsas ou vagas.

12 – Cultive a concentração, tempere a vontade, torne-se uma força ao pensar de forma tão pessoal quanto possível, que na realidade você é uma força.

13- Considere quão poucos são os amigos reais que tem, porque poucas pessoas estão aptas a serem amigas de alguém. Tente seduzir pelo conteúdo do seu silêncio.

“Nunca fiz senão sonhar. Tem sido esse, e esse apenas, o sentido da minha vida. Invejo a todas as pessoas o não serem eu” – dizia o poeta aos seus poucos e verdadeiros amigos: “Nisto, talvez, consiste a minha tragédia, e a comédia dela. Nada fui, nada ousei e nada fiz”.