O refugiado italiano Cesare Battisti está deixando atrás de si muitas vítimas, somadas as da Itália com aquelas atingidas politicamente no Brasil. Destas, o ministro Tarso Genro foi a primeira, ao abrigar o terrorista. Em seguida, o tiroteio alcançou as páginas dos jornais e a internet, ferindo de raspão o jornalista Mino Carta.

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Italiano de Gênova, Mino Carta acaba de anunciar que fechou o seu blog e, decidiu, não escreverá mais para a revista Carta Capital: “Minha crença no jornalismo faliu”. Além de se declarar decepcionado com o governo Lula, de quem sempre foi um ferrenho defensor, pesou na decisão de Mino sua posição em defesa da extradição de Cesare Battisti, o que o levou a fazer este comentário: “O ministro Tarso Genro disse em Belém que a favor da extradição de Battisti se alinham os defensores da anistia aos torturadores da ditadura, com exceção de Mino Carta. Agradeço a referência, observo, porém, que o ministro cai em clamorosa contradição. Não foi ele quem, em rompante que beira a sátira volteriana, sugeriu à Itália baixar uma lei da anistia igual àquela assinada no Brasil pelo ditador de plantão?”.

A polêmica adquiriu cores ideológicas e não passa ao largo do Paraná. Temos aqui um expressivo número de italianos nascidos na Itália, ou com dupla cidadania, além dos milhares de descendentes que acompanham o assunto com atenção. Para subsidiar nosso julgamento, transcrevo abaixo trechos da “Carta aberta ao povo brasileiro” escrita por Adriano Sabbadin, filho de uma das vítimas de Cesare Battisti. Originalmente foi publicada no jornal Corriere del Veneto, depois traduzida pelo jornalista Giulio Sanmartini.

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“Vivo em uma pequena cidade na província de Veneza. Escrevo a todos os brasileiros, pois me sinto profundamente ferido pela decisão de vosso ministro da Justiça de considerar Cesare Battisti um refugiado político. Há 30 anos ele assassinou o meu pai. Não quero vingança, mas apenas a justiça que não chega. Quem é Battisti: ele começou na política dentro do cárcere, detido que estava por crimes comuns, lá conheceu o terrorista Arrigo Cavallina. (…) Depois de uma série de assaltos, o grupo resolveu agir contra os comerciantes do povo (meu pai era um pobre açougueiro) que haviam reagido contra os constantes assaltos comuns que estavam sofrendo. Inicialmente o grupo passou a extorqui-los e a agredi-los, chamando-os de agentes da “contra-revolução”, por não concordarem com a extorsão a que estavam sendo submetidos pelos terroristas. (…) Chegaram assim ao nosso açougue pelas quatro e meia da tarde. Meu pai, ajudado por minha mãe, atendia a um cliente. Eu me encontrava nos fundos, falando ao telefone, quando ouvi os tiros de pistola que ecoam até hoje na minha mente. Apavorado, corri para nossa casa que ficava no andar superior. Depois de longos minutos vi homens que saíam num carro em disparada. Quando desci ao açougue, vi minha mãe com o avental branco todo ensanguentado e meu pai no chão, dentro de uma poça de sangue. A ambulância chegou rapidamente, mas nada pôde ser feito. Nos processos, a perícia e o testemunho de um comparsa arrependido comprovaram que Battisti havia disparado, friamente, sem piedade e de forma covarde, os tiros que mataram o meu pai. Battisti esteve sempre presente no grupo armado, colocando-lhe à disposição a sua experiência de bandido e a sua predisposição para matar, jamais hesitando em fazê-lo. (…) Aos 17 anos tive que abandonar meus estudos para trabalhar, tornando-me o chefe da família e passando a conviver com um vazio que o passar do tempo só fez aumentar. Não é possível existir paz sem justiça, e é por justiça que nossa família tem esperado por todos estes longos anos. (…) Peço aos brasileiros, pelos quais possuo uma profunda admiração, que façam um apelo ao vosso presidente para que reveja essa injusta decisão. Pedimos apenas, e tão somente, por justiça.”

(Adriano Sabbadin)

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