Uma das melhores expressões de Nelson Rodrigues é quando ele se refere a uma desgraça tão grande que o camarada “senta no meio-fio para chorar lágrimas de esguicho”. Nelson gostava dessa palavra: esguicho. Numa outra frase imortal, dizia ele: “O povo, com o seu instinto agudo, sua vidência terrível, reconhece e aponta os jogadores que `comem´ a bola, como se a estraçalhassem nos dentes, fazendo esguichar o sangue da redonda”.

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A Patrícia Poeta não mostrou, muitos menos o Galvão comentou, se as lágrimas dos chorões da seleção brasileira eram de esguicho ou de crocodilo – o que faz uma grande diferença, em se tratando de meninos acostumados a chorar no ombro das maiores torcidas do mundo. Como bem lembrou o cronista Augusto Mafuz – o nosso Nelson Rodrigues, com a verve de advogado – na edição de ontem desta Tribuna: “Não surpreende a insegurança emocional do jogador nos dias de hoje. Em regra alcança a fama e começa a fortuna, sem precisar ter sofrido. A sua estrutura pessoal, incluindo aí a própria personalidade, torna-se frágil pela falta de desafios que a vida provoca e o ser humano tem que enfrentá-los. O resultado é esse desequilíbrio que às vezes sente diante de uma responsabilidade que nunca precisou carregar”.

“Lágrima de crocodilo” é o choro fingido, falso ou hipócrita.  A origem da expressão é biológica e não tem a ver com fingimento.Quando o crocodilo está digerindo um animal, pressiona com força o céu da boca, comprimindo as glândulas lacrimais. Ou seja, o réptil chora enquanto devora a presa. São lágrimas naturais, mas não significam que o animal se emocione ou sinta pena da sua presa.

Se não estou enganado, por três vezes já verti lágrimas de crocodilo numa Copa do Mundo. Em 1974, quando fomos derrotados pela Holanda e pelo Zagalo: “O time deles é bom, mas os holandeses não têm tradição em Copas e isso pesa. A Holanda não me preocupa. Estou pensando na final com a Alemanha”; na Copa de 1990, na Itália, chorei por Lazaroni, quando Maradona driblou toda a defesa, entregou a bola de bandeja para Caniggia e foi comemorar a vitória com a camisa do Brasil no corpo; em 2006, na França, quando o nosso favoritismo e os calos do Ronaldo entregaram o ouro da taça para o Zidane.

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De sentar no meio fio para chorar lágrimas de esguicho só uma vez na vida. Em 1982, quando Paulo Rossi também fez esguichar as lágrimas de um menino na antológica capa do “Jornal da Tarde”. Conforme William Shakespeare, “chorar sobre as desgraças passadas é a maneira mais segura de atrair outras”. Até pode ser. No entanto, não custa parafrasear os bardos do nosso carnaval:“Quem não chora não mama, segura meu bem a chupeta, porque hoje não quero ver a coisa preta!