Quem já viu este filme?

Neste Brasil brasileiro, vivemos numa babel de paz, com muito amor para dar e vender (principalmente nas praias do Nordeste), numa democracia racial e de oportunidades. O Paraná, por sua vez, é uma terra sem portas, com algumas porteiras centenárias. Num episódio exemplar de nossa tão propalada aquarela racial, a xenofobia brasileira verde e amarela mostrou a sua cara no Norte do Paraná.

Nos primeiros meses de 1934, espalhou-se  no país a informação de que o governo brasileiro tinha aprovado a entrada de centenas de famílias assírias no Brasil. Descendentes de Assur, o segundo filho de Sem e neto de Noé, os assírios somavam então 20 mil refugiados de guerra, uma nação sem Estado desde que tinham sido expulsos da Turquia para o Iraque. Declarando-se católicos, eram protegidos da Inglaterra, à qual se aliaram durante a Primeira Guerra Mundial.

Em 1932, vendo no êxodo um misto de ajuda humanitária e bons negócios, a “Paraná Plantations” propôs assentar os assírios no Norte do Paraná, em suas terras próximas a Londrina. A princípio, as autoridades viram os assírios como um povo aceitável: “Uma raça ariana, sem qualquer característica semítica ou árabe. Sua religião é o cristianismo e eles são agricultores e pastores” – garantiam os britânicos.

“Para inglês ver!” – começou-se a murmurar nas sombras da intolerância. Quando a notícia da provável chegada dos assírios ganhou as páginas dos jornais, houve uma clamorosa reação junto aos formadores de opinião. Apesar de brancos, católicos e agricultores, a imprensa passou a qualificar os assírios como uma raça perigosa. Indesejáveis e inassimiláveis. A Liga das Nações e a Inglaterra, fiadores dos deserdados, tornaram-se alvos de artigos lambuzados de racismo. Os guardiões do ovo da serpente nazista viram, na ajuda aos refugiados, uma forma de degenerar a raça brasileira. 

Os líderes do movimento contra a imigração japonesa também passaram a pregar ardentes discursos contra os assírios e, diante da dificuldade para definir os refugiados como assírios (cristãos) ou iraquianos (islamitas), os radicais optaram pela denominação mais incendiária: “Muçulmanos fanáticos!”. Até a Ordem dos Advogados do Brasil subiu no patíbulo para decapitar os assírios. A Rádio PRB-2 e os jornais de Curitiba cederam horários e espaços para forçar o governo federal a rever a decisão de receber aqueles errantes do planeta.

Desordeiros, revoltosos e indisciplinados, eram os atributos mais leves apregoados pelos apóstolos da eugenia. Diante da reação contrária à acolhida, em junho de 1934 Getúlio Vargas proibiu a entrada dos assírios no Brasil. Os esbirros do Estado Novo comemoraram. Enfim, o Paraná se viu livre daqueles “muçulmanos fanáticos”.