Na prova do Enem, se perguntarem de onde surgiu a novela das oito, certamente não foi na Rede Globo. O mais aproximado seria responder – ou chutar – que a primeira novela surgiu lá pelos idos de 1800 e qualquer coisa, conforme podemos deduzir da biografia do escritor russo Liev Nikoláievitch Tolstói.

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Um dos melhores momentos da infância do autor de “Guerra e Paz” era a expectativa de passar a noite no quarto da “babuchka” (avó), ouvindo um cego contador de histórias. Na Rússia pré-emancipação dos servos, existiam contadores de histórias que eram negociados pela nobreza como peças da mobília.Valiam uma fortuna, mas não tanto quanto um Antônio Fagundes.

Liev Stiepanitch era totalmente cego, tinha uma memória excepcional e era capaz de se lembrar de qualquer história, desde que tivesse sido lida para ele algumas vezes, palavra por palavra. O cego vivia em algum lugar da casa de Tolstói, com mais de trinta quartos, mas só aparecia à noite, quando subia as escadas para o quarto da avó e se preparava para a história da noite – conta Rosamund Barlett, o autor de “Tolstoi, a Biografia”. Usando uma comprida sobrecasaca azul com mangas bufantes, Stiepanitch sentava-se no peitoral baixo da janela e, enquanto aguardava a “babuchka”, alguém trazia o seu jantar.

Uma vez que o contador de histórias era cego, a avó de Tolstói despia-se na frente dele sem o menor receio e depois, junto com os netos, acomodava-se confortavelmente na cama para ouvir a narrativa da noite. Tolstói lembrava-se com exatidão do momento em que a vela era apagada no quarto da avó, deixando apenas a luz bruxuleante de uma pequena lamparina ardendo a um canto. A um comando dela, a voz baixa e serena de Liev Stiepanitch começava a desfiar alguma história fascinante – em especial quando o cego narrava capítulo a capítulo das “Mil e uma noites”.

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Como naqueles idos das lamparinas bruxuleantes as pessoas dormiam um pouco depois do escurecer, deve ter sido o cego contador de histórias que inventou a novela das oito.