Entre Paraná e Santa Catarina, alguns contenciosos históricos aguardam julgamentos. A questão do mar territorial é um deles, para decidir o tamanho que nos cabe da fatia do pré-sal. Outra pendenga surgiu agora numa crônica de jornal: “Quatro Estações num só dia é um privilégio de Florianópolis ou de Curitiba?”

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Leitor cativo do cronista Sérgio da Costa Ramos, do jornal Diário Catarinense, me surpreendi quando o poeta do cotidiano à beira-mar reivindicou para sua ilha
do coração um privilégio paranaense do qual não vamos abrir mão: Quatro Estações em 24 horas.

Dos grandes cronistas do Brasil, na opinião insuspeita de Luiz Fernando Veríssimo, escreveu Sérgio da Costa Ramos: “Antonio Vivaldi concebeu As Quatro Estações no outono de sua existência, aos 47 anos de uma vida que chegou aos 63.

Quando compôs a magnífica série dos famosos quatro concertos – a Primavera, o Verão, o Outono e o Inverno, nesta ordem – em 1725, por algum milagre do tempo e da geografia, o italiano parece ter sido transportado para a Ilha de Santa Catarina – onde, num único dia, as quatro estações se desatam entre adágios e allegros”.

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As Quatro Estações catarinas no mesmo dia têm verdades num dos parágrafos do menestrel das rendeiras da Lagoa da Conceição: “O movimento do gelo
sobre as águas, as geadas empalidecendo o verde, águas claras correndo numa cachoeira, o som da chuva, das cotovias, o farfalhar sonoro das novas folhagens que brotam na copa das árvores. Quatro movimentos entre a disciplina e a fantasia, ritmos saltitantes e a apoteose dos solos de violino – o conjunto inteiro irresistível, como a corredeira de um rio”.

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Assim tão bem exposto, esse contencioso climático tem linhas poéticas que prometem muitos parágrafos nos tribunais da crônica, a se julgar pela seguinte alegação do cronista do Vento Sul: “Os extremos não se tocam, ensina uma antiga lei da Física e da Política. Dois bicudos não se beijam, aconselha uma velha lei da convivência social. E Inverno e Verão são estações antípodas, cada uma com seus violões e violinos, asseguram os meteorologistas. Não na Ilha de Santa Catarina, onde as Quatro Estações se misturam e se alternam, ao sabor de sibilinos instrumentos de corda, magistralmente manipulados pelo maestro Cruz e Sousa, “patrono” do vento prodigioso, que altera a feição das tardes e das manhãs, e que ora impõe a calmaria dos adágios, ora a vivacidade dos allegros..”.

Modesto diarista da palavra, confesso: não tenho bagagem de bordo suficiente para enfrentar, vírgula por vírgula, o ilhéu Sérgio da Costa Ramos. Para defender nossos direitos exclusivos sobre elas, precisamos de um senhor doutor em Quatro Estações. Assim, cá entre nós, só um timoneiro de sete mares: o escritor Wilson Bueno.

Quem descobriu “A copista de Kafka” tem outra recomendação de ofício: por um bom tempo, Bueno foi editor da revista Quatro Estações. Criada há quarenta anos pelos jornalistas Dino Almeida e Nelson Faria de Barros, a revista é um dos capítulos dos mais atraentes da história da imprensa paranaense. Bonita e gostosa, mesmo assim não desfilou até o fim do século passado.

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“Já fez calor e frio neste estertor de Inverno, prenúncio de chuvosa Primavera. Num só dia, porém, é bem possível reinar o calor e o frio, basta registrar-se a ausência ou o império do vento…”.

Data vênia, mestre Sérgio da Costa Ramos. Nós curitibanos atribuímos as quatro estações num só dia, neste estertor de inverno florianopolitano, aos efeitos transitórios das frentes frias de Buenos Aires que vêm passar as férias no Mar Catarina.

Candidato a prefeito de Curitiba pelo Partido da Utopia (PDU), o escritor Wilson Bueno não pode fugir à luta em defesa dos nossos direitos perenes ao Verão, Outono, Inverno e Primavera em 24 horas. Não outro, só o senhor do “Mar paraguayo” pode cruzar com o catarinauta que ousou raptar nossas Quatro Estações diárias.