Quando pisei na Lua

Onde você estava quando assassinaram John Kennedy? Com quem você sonhava quando John Lennon foi baleado no edifício Dakota? Onde você estava quando Pelé marcou o gol 1000? Onde você estava quando Armstrong e Aldrin pisaram pela primeira vez na Lua?

Onde você estava quando ouviu pela primeira vez as perguntas acima? Porque, seguindo modismos editorias, essa enquete parece que passou batida neste 20 de julho, nos 40 anos da chegada do homem à Lua.

Das raras rememorações semelhantes publicadas ontem, o jornalista Ancelmo Gois buscou um texto rabiscado há exatos 40 anos na cela 426 da Ilha das Flores, no Rio de Janeiro, reproduzido nos diários de prisão do historiador Israel Beloch: “Na tarde de domingo, 20 de julho de 1969, às 17h20, enquanto Rui Xavier, Elio Gaspari, Francisco Cordeiro, Luis Carlos Pereira, Milton Gaia e Nielsen Fernandes ocupavam esta cela, dois outros homens, tripulando o módulo da Apolo 11, chegavam à Lua. As coisas boas também acontecem”.

Bem lembrado: coisas boas aconteciam em 1969, enquanto na América Latina os homens desciam às profundezas dos calabouços. Onde eu estava no dia 20 de julho de 1969? Se 1968 foi ano que não terminou, para mim 1969 foi o ano em que tudo começou. Na tarde daquele domingo estávamos reunidos no auditório do Colégio Agrícola de Camboriú, perante dois acontecimentos que iriam mudar nossas vidas. Um, a televisão, preto no branco, uma quimera ali ao alcance da tomada. Dois, a transmissão ao vivo dos saltos de canguru dos deuses astronautas:

– A águia tem asas! diz Armstrong.

Michael Collins, no módulo de comando, se despede por rádio:

– Tome cuidado!

– Até breve! responde Armstrong.

É fim de tarde, no Brasil Meridional a Lua era crescente, com um pedaço iluminado justamente onde desceriam Neil Armstrong e Edwin Aldrin, a região conhecida como Mar da Tranquilidade.

Enquanto isso, naquele auditório lotado de jovens recém-saídos da roça, mal respirávamos num mar de suspense: “Fiquem tranquilos, calma, tudo vai dar certo!”, dizia o bedel, enquanto tentava sintonizar melhor a tevê com um chumaço de Bombril na antena.

– Estamos a 700 pés (213 metros), descendo a 21 pés por segundo (6 metros por segundo), inclinação de 33 graus diz Aldrin.

– Área com muitas rochas afirma Armstrong.

– Seiscentos pés (182 metros) avisa Aldrin.

– Eu vou…

Pronto! Caiu o Bombril da antena, vai lá o bedel do colégio trazer os astronautas de volta à Terra, e o módulo lunar Eagle toca ao solo. Passam-se 15 segundos antes que Armstrong fale novamente:

– Houston, aqui Base da Tranquilidade. A Águia pousou!

Em Houston, o operador gagueja:

– OK, Tran… Tranquilidade. Confirmamos o pouso. Vocês deixaram um monte de gente quase azul aqui. Estamos respirando de novo aqui. Muito obrigado.

Azuis estávamos nós; e os quase 200 alunos do Colégio Agrícola de Camboriú se ergueram aos gritos, se juntaram em abraços. Coisa igual só vista um ano depois, na final da Copa do Mundo do México, quando faltavam dois minutos para o jogo terminar: Jairzinho tocou de bico para o Pelé, que girou o corpo e rolou para Carlos Alberto fechar a goleada nos italianos.

Em 1969, poucos acreditavam que o Brasil vivia numa ditadura, muitos nem mesmo acreditavam que o homem havia chegado à Lua. Em 2002, o cineasta Bart Sibrel chamou Edwin Aldrin de mentiroso, porque duvidava que ele ou qualquer um tivesse pisado na Lua, quando foi derrubado por um murro na cara. E Aldrin saiu caminhando, como se fosse John Wayne.

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Depois que Neil Armstrong deu aquele “pequeno passo, um grande salto para a humanidade”, também saí caminhando, pensando em voar. Cinco meses depois me despedi do Colégio Agrícola de Camboriú, arrumei as malas e pela primeira vez pisei no mundo da lua: Curitiba era um deserto, o mar da tranquilidade. Saudades!