Quando o mar engoliu Guaratuba (2)

Em setembro de 1968, não só o jovem repórter Francisco Camargo viu o que restou da Guaratuba que o mar engoliu. Testemunha ocular do fenômeno natural das marés (originado nas correntes marítimas que, nas vazantes, castigavam impetuosamente a área entre o trapiche, o muro de arrimo e a ponta do Morro do Pinto) o morador Joaquim da Silva Mafra também botou no papel o que sentiu na pele.    

“Era um domingo que assinalava a entrada da primavera, com apreciável movimento de turistas. Em casa tudo corria normalmente e, sendo mais de 22 horas, procuramos o leito. Minha netinha, Ana Maria, já dormia. Cerca de 15 minutos depois, fomos despertados por brados de populares que advertiam sobre algo, com imprevisíveis consequências. Frases como esta, eram ouvidas:

– Saiam de casa depressa, desliguem a luz! Que coisa horrível!

Levantei-me, troquei apressadamente as vestes e fui até o porto para certificar-me do que ocorria, enquanto meus familiares também se movimentavam. Ai um cidadão me informou que o muro de arrimo havia se abatido para as profundezas, a metade da rua também já seguira o mesmo destino do muro e prosseguia a avalanche envolvendo árvores, e o poste da luz! Voltei imediatamente, com a certeza de que uma terrível catástrofe atingiria de imediato as nossas residências. Calcei os sapatos, pus o chapéu e saímos às pressas, temendo que os fios da luz fossem ao chão ao cair do poste que as águas já estavam alcançando na rua do porto.  Fechei a porta da rua, mal sabendo que a fechava pela ultima vez, depois de 46 anos de residência (…) Depois de fechada a porta, saímos, sem saber para onde. Dirigimo-nos a Praça, lugar recomendado por não conter fios de alta tensão. (…) Aí me deparei com mais um episódio pungente. Minha filha, de joelhos na Praça, voltada para a Igreja sobraçando um quadro de Jesus, fazia preces e sua filhinha a frente, desolada, sem saber o porque de tamanha angustia. (…) No dia seguinte, a rua Cel. Afonso Botelho estava com uma estranha aparência, em lugar dos prédios, uma enseada dominava toda a parte afundada, era uma área de 100 X 30 metros na direção do centro da cidade. Na estrema esquerda, duas paredes danificadas, em angulo reto, e o que restava da Prefeitura Municipal, e na estrema direita, apresentando idênticas condições, a sede da Sociedade Ypiranga, submergido, ao ponto do Ferry-Boat navegar onde eram suas sedes. O mar engoliu o Bar Azulai, uma loja de ferragens, a câmara municipal, com todo o seu arquivo, a agencia de Estatísticas e do Serviço Eleitoral que funcionavam no mesmo prédio, o Bar Marabá, a loja e a padaria de Floriano Milek, de três pavimentos, o sobrado do Dr. James W. Laury, com três lojas, a casa de Joaquim Mafra e de José Marques da Silveira. Os demais prédios, que completavam as três quadras, ficaram condenados, atingidos na fundação, ruindo em conseqüência disso às paredes que restaram em pé. (…) João Santana, antigo morador de Guaratuba, falou do erro que foi cometido, quando se retirou o molhe (parede) de pedra que havia no local chamado “Porto da Viana”, que tinha a função de interceptar as correntes da maré. (…)