Quando o mar engoliu Guaratuba

No tempo da Dercy Gonçalves e da máquina de escrever, a notícia não buscava os jornalistas; os jornalistas é que saíam em busca da notícia. O jornalista Francisco (Pancho) Camargo é daquele tempo. No dia 22 de setembro de 1968 ele estava começando sua brilhante carreira e nem mesmo sonhando com as aventuras de Flash Gordon, um dos heróis que o levou também a desenhar, podia imaginar que 43 anos depois iria relembrar através da internet a maré gigante que mudou a paisagem de Guaratuba (http://jornale.com.br/rolmops&catchup).

Ex-editor de O Estado do Paraná, Tribuna do Paraná e Gazeta do Povo (onde assinava a coluna Rolmops&Catchup), Camargo recordou assim aquele “ano (mais um) para nunca esquecer”.  

“Não dá para esquecer o ocorreu em Guaratuba, quando o mar engoliu a Rua da Praia. Foi em 1968, quando não havia internet e até a comunicação por telefone era precária. Para piorar, era noite quando parte da cidade afundou e construções próximas desabaram parcialmente.

Nessa noite, alguém aciona a redação do jornal O Estado do Paraná, então na Rua Barão do Rio Branco, 556, jornalistas João Féder e Mussa José Assis à frente. O chefe de reportagem dá uma geral na redação e localiza um jovem repórter (Camargo), que ficava até mais tarde para aprender jornalismo com outros mestres, entre eles Adherbal Fortes de Sá (fechador da primeira página, um texto imbatível).

– Fulano, vem cá! Pega um fotógrafo para ir a Guaratuba!

E o noviço se mandou com o repórter-fotográfico Edison Jansen, a bordo de uma caminhonete dirigida pelo Jurandir. Outro novato, Raul Guilherme Urban, que também estava flanando pela redação, quis ir junto. Com três pessoas na cabine só restava espaço no bagageiro. Urban não pensou duas vezes, topou. Em Guaratuba, escuridão total. Ninguém pelas ruas ou na praça central. Feito um levantamento parcial – o jornal fechava às 22 horas, ainda era de edição única, e, “para não perde o interior”, tinha de seguir religiosamente o horário da oficina. Quando isso não acontecia, perdia-se o redespacho dos jornais por ônibus de linha. Seria trabalho jogado fora.  A corrida contra o tempo era permanentemente.

O repórter escreveu um breve relato – telegráfico – da situação. Usou as folhas de papel lauda com as anotações para embrulhar os primeiros rolos de filme de Jansen (é, para conseguir as fotos era preciso cumprir o demorado ritual de revelar os filmes, secá-los etc etc) e o Jurandir saiu cantando pneu, de volta a Curitiba. O material ajudaria os companheiros para o planejamento da cobertura, no dia seguinte, e poderia ser utilizado pela Tribuna do Paraná, que fechava bem mais tarde, posto que circulava basicamente em Curitiba e municípios mais próximos.

Começava aí uma longa noite de agonia. Num dos bancos centrais da praça, o lugar mais seguro, a brava e indormida (literalmente) equipe iniciou o plantão. Só mesmo com o clarear do dia seria possível ter uma ideia do que tinha realmente acontecido, qual a dimensão da catástrofe. Mas, nessa altura, uma segunda equipe de reportagem desembarcava em Guaratuba, para a troca de guarda”.