Quando chovia canivete

Quando o céu não nos protege e as águas de março caem sobre nosso quintal – mesmo agora, quando o rude inverno ameaça avançar sobre a doce primavera -, somos levados a sair em busca dos culpados. Os culpados de sempre: nós mesmos.

Graças aos abnegados Henrique Paulo Schmidlin (Vitamina) e Francisco Lothar Paulo Lange, pesquisadores que não se cansam de garimpar a nossa história, acabam de ser publicados os registros de Julius Platzman, pintor e botânico alemão que morou na baía de Paranaguá (mais precisamente na Ilha dos Pinheiros e seu entorno) entre 1858 e 1864. Ao retornar à Alemanha, publicou suas observações com o título de “Aus der Bai von Paranaguá”.

‘Da Baía de Paranaguá” é uma obra biográfica que precisamos ler para confirmarmos o que sempre aprendemos sobre a força da natureza, fenômenos agora resumidos como consequência do “aquecimento global”. O que antigamente dizia-se quando “chovia canivete”. 

Se Julius Platzmann fosse o repórter presente no nosso litoral no dia 14 de março passado, o seu relato não seria muito diferente:    

*********        

 “A estadia em uma pequena ilha no meio do mar sob os mais terríveis estrondos de trovoadas e ofuscantes luzes de uma atmosfera carregada de descargas elétrica, tornou-se atemorizadora. Havia cinco tempestades ao mesmo tempo. Aqui, logo acolá, rompiam trovoadas, retumbando de diversos cenários de teatro. Nunca tinha visto raios serem lançados às dúzias. (…) Rios de água corriam paredes abaixo. Riachos verticais caindo do telhado em vias de desabar, abriam valas no chão da casa. Atrás dela apareciam visões singulares do deslizamento de enormes blocos de terra nas encostas afundar como lama. Sob a cobertura da vegetação das ilhas rochosas brotavam novas cachoeiras. Eram motivos para a pintura de um dilúvio”.

********

“As torrenciais desse ano foram tão intensas que a floresta, de tanta chuva, deslizou abaixo. Encostas da mata desapareceram inteiramente! Lugares próximos de centenas de braças de extensão, muito altos, onde ainda ontem havia milhares de robustas árvores, muitas vezes fora do alcance, vêm de encontro ao viajante trazido pela canoa, como terra nua e barrenta. Onde foram parar os gigantescos troncos com seus galhos? Desaparecidos! Invisíveis! Ao pé de desnudos taludes, soterrados! Então, realmente se percebe que a mais opulenta vegetação se transforma principalmente em húmus. Ele é amolecido pela chuva – para isso é necessário um enorme peso de água – conservada suspensa nas árvores pela folhagem, musgo e epífitos. Finalmente chega o tempo em que o todo, um arrastando outro, salta de sua base, troveja montanha abaixo. Quando isso acontece na nossa presença, então, o que pode ter acontecido antes de nossa contagem de tempo!”.