Porto da boa esperança

Com a sincera intenção de levar minha solidariedade ao Paraná Clube nesta fase dolorosa, venho através desta confortar sua sofrida torcida com uma história edificante.

O abençoado dom Helder Câmara pregava que “é graça divina começar bem. Graça maior persistir na caminhada certa. Mas a graça das graças é não desistir nunca”.

A esperança é a última que morre e a última a ir para a cama dormir. Na Copa do Mundo de 1954, a Rádio Nacional lançou concurso para levar um brasileiro à Suíça. Para concorrer, bastava enviar a embalagem de Melhoral, com nome e endereço do remetente. O prêmio era uma viagem de primeira classe, no avião da delegação brasileira, hotel e alimentação de graça.

Naquele ano em que a Alemanha seria campeã do mundo, o município de Porto Amazonas contava com menos de 2 mil habitantes. Tinha apenas uma farmácia, propriedade de Mário Guimarães. Ele próprio, o mais entusiasmado com a promoção, se desdobrava para repor os estoques de Melhoral. Estoques excepcionais, porque Guimarães batia no peito e afirmava sem nenhuma sombra de dúvida:

– Eu vou ganhar! Eu vou ganhar!

Repetia isso todos os dias, antes de fechar a farmácia pontualmente às 22h, exigência da serraria dos Bettega, fornecedora de energia elétrica gratuita. No dia do sorteio, os Bettega fizeram uma exceção e não faltou luz para que todos acompanhassem o sorteio da porta da farmácia, na voz de César Ladeira, estrela da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Nunca se viu um comprimido de Melhoral levar tanto povo para a porta de uma farmácia.

Quando César Ladeira, com seus “erres” iniciais carregados, começou a abrir o envelope ganhador, o refrão de Mário Guimarães cortou o silêncio de Porto Amazonas:

– Eu vou ganhar! Eu vou ganhar!

E César Ladeira anunciou o vencedor:

– É de Belo Horizonte!

Foi uma tristeza generalizada, com a decepção perfeitamente estampada na cara do dono da farmácia. Mas a vida continua, enfim, e na hora da serraria desligar a luz, todos foram dormir. Nem bem o povo seguiu para casa embaixo daquela cerração do Rio Iguaçu, com o cabisbaixo Mário Guimarães já cerrando as portas, eis que, de repente, o vozeirão de César Ladeira retornou ao ar para anunciar extraordinariamente:

– O sorteado não mandou o invólucro de Melhoral, que é melhor e não faz mal! Vamos a novo sorteio!

O povo de Porto Amazonas ainda voltava à porta da farmácia, quando César Ladeira abriu o novo envelope:

– O felizardo é… é… é de Porto Amazonas, Paraná! E o nome dele é… é… é Mário Guimarães!!!

O dono da farmácia foi testemunha ocular da história. Envergando pela primeira vez o uniforme com a camisa amarela e o calção azul, em 1954 o Brasil foi humilhado pela Hungria com o placar de 4×2. No “milagre de Berna”, a Alemanha derrotou a Hungria e recuperou o sorriso apagado pela guerra e, no “milagre de Porto Amazonas”, Mário Guimarães cumpriu a promessa: trouxe um canivete suíço para Odacyr Bettega, o dono da serraria.