Porcarias

O Ministério da Saúde anunciou que o número de casos suspeitos de gripe suína investigados no País passou de 25 para 28, enquanto outros 28 estão em monitoramento em 20 estados. Mas o povo quer saber mais: afinal, como é que fica? É gripe H1N1, gripe suína ou gripe porcina?

Em boa hora, o escritor Deonísio da Silva (minerador de palavras) nos socorre e cura minha ignorância: “A gripe é suína ou porcina? A mídia precisa tomar decisões em cima da hora e é compreensível que algumas coisas não saiam perfeitas. A seu favor, tem paradoxalmente a própria rapidez do processo. No dia seguinte pode corrigir a informação imperfeita. Na internet, a versão eletrônica pode ser arrumada no minuto seguinte àquele em que o erro foi cometido. Um dos maiores atrapalhos ocorre na tentativa de simplificar a linguagem científica. A diverticulite de Tancredo Neves, o linfoma da ministra Dilma Rousseff e a gripe suína ou porcina estão neste caso: o nome das coisas. Afinal, no princípio era o verbo, e no meio e no fim também será. Porcina e linfoma chegaram ao português (escrito) na segunda metade do século XIX. Mas as palavras “porco’ e “porca’, substantivos que deram origem aos adjetivos “porcino e “porcina”, aportaram no primeiro século do segundo milênio, quando, vinda do tronco latino, brotava a língua portuguesa seguindo caminho semelhante àqueles tomados pela espanhola, pela italiana, pela francesa, enfim, pelas neolatinas, o que levou o poeta Olavo Bilac, em famoso poema, defini-la como “última flor do Lácio, inculta e bela’. Talvez não tenha sido a última, mas deixemos pra lá. “Porco”, e “porca”, “porcino” e “porcina”, “suíno” e “suína” estão registrados pelo dicionário de Antonio de Moraes Silva, um dos primeiros da língua portuguesa, mas os dois últimos são os mais antigos. Seu primeiro registro é de 1648. É provável, contudo, que, como substantivos, designando o porco e a porca, estivessem na fala bem antes, pois as pesquisas somente rastreiam os documentos. Das doenças cuidam os médicos e também os jornalistas, que precisam bem informar o distinto público, conciliando precisão e simplicidade, o que nem sempre é possível (…)”.

Na Paris do início do século XIX, o Rei dos Imundos (o porco) chafurdava na porcaria. Os parisienses jogavam os penicos pela janela, a plebe rolava na lama fétida e, assim, é surpreendente a gripe porcina não ter derrotado Napoleão bem antes do General Inverno.

O Barão Georges Cuvier (1769/1832), cujo verdadeiro nome era Jean Leopold Nicolas Fréderic Cuvier, foi um naturalista francês que formulou as leis da Anatomia Comparada. Chateado ao ouvir dizer que o interior do corpo do porco assemelhava-se em tudo ao do homem e que os cirurgiões, que não tinham o direito de abrir os mortos, estudavam uma anatomia equivalente nos porcos, Cuvier consertou em poucas linhas o erro de avaliação da ciência médica de então:

“O estômago do homem e do porco não tem semelhança alguma. No homem, essa víscera tem a forma de uma cornamusa, no porco é globulosa; no homem, o fígado é dividido em três lóbulos, no porco é comprido e achatado; no homem, o canal intestinal equivale a sete ou oito vezes o comprimento do corpo, no porco equivale a 16 a 18 vezes o mesmo comprimento. O epíploon, isto é, a parte também conhecida como omento, é muito mais extenso e carregado de gordura; e, o que é bastante consolador para as almas delicadas que nada querem ter em comum com a natureza do porco, seu coração apresenta diferenças notáveis em relação ao do homem. Acrescento, para a satisfação dos eruditos e dos espíritos ilustrados, que o volume de seu cérebro é igualmente muito menos considerável, o que prova que suas faculdades intelectuais são bem inferiores às de nossos acadêmicos”.

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Georges Cuvier, que morreu durante uma epidemia de cólera que assolou Paris, só não chegou a responder essa questão: quem morre de gripe porcina vira espírito de porco?