Policiemos a polícia

O secretário da Segurança Pública Luiz Fernando Delazari puxou do “Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública” para comparar números em favor de sua alçada. Não precisava tanto: bastaria ao secretário consultar o repórter Wilson Martins para nos convencer de que vivemos, estatisticamente, em relativa segurança.

Como sabemos, o repórter Wilson Martins escreveu a mais alentada reportagem sobre o Paraná. “Um Brasil diferente” só não ganhou o Prêmio Esso porque sua obra era grande demais para o tamanho dos jornais da época. Assim, Martins teve que se contentar com a edição em livro, mídia sabidamente de insignificante leitura.

Estatisticamente, portanto, o repórter Wilson Martins mostra que no final do século XIX a criminalidade era muito maior do que hoje, justificando perfeitamente a gestão do secretário Delazari à frente da lei e da ordem.

O jornalista de priscas eras já cumpria o seu papel canalha. Sob o título “Policiemos a polícia” (o que, dada a natureza da notícia, nos leva a crer que se trata um jornal canalha), publicava “O Paranaense” de 29 de fevereiro de 1880: “Em um dos dias da semana finda foi gravemente ferido na estrada da Graciosa o súdito português A. Ferreira por alguns franceses. Informam-nos que tendo Ferreira procurado receber de seu agressor a quantia de 70$000, fora por um terceiro, seguro, para o francês bem poder manejar seus golpes para o infeliz Ferreira. Além de diversos e graves golpes que recebera Ferreira, com um machado fora-lhe partido um osso clavicular…”.

Do mesmo jornal canalha, a 22 de maio de 1881: “Em dias da semana passada quatro colonos deram tamanha sova de pau a um companheiro também polaco, que este veio a perecer 3 ou 4 dias depois. As autoridades policiais tomaram conhecimento do fato”.

Do jornal Dezenove de Dezembro, a 3 de fevereiro de 1883: “ASSASSINATO! Nas proximidades desta cidade foi encontrado morto em sua carroça, com um ferimento a bala na cabeça, no dia 28 passado, o alemão Carlos Beltz. É indiciado neste assassinato o alemão Fernando Schultz que se acha preso”.

Não era só a imprensa, a corrupção era bem mais generalizada, não poupando nem as Forças Armadas: “Tendo-se queixado ao exmo. Sr. Dr. Chefe de Polícia, o Sr. Tenente Pederneira, comandante do contingente do batalhão de engenheiros, de que alguns comerciantes estrangeiros, estabelecidos nesta capital, costumavam comprar peças de fardamento pertencentes às praças sob seu comando, ordenou s. excia. Ao infatigável delegado de polícia deste termo que desse providências necessárias, a fim de descobrir os autores de tal atentado”.

Hoje, graças à firme gestão das autoridades competentes, seria inimaginável um cidadão invadir o Palácio das Araucárias para cobrar do governador Roberto Requião a demissão do secretário Delazari.

Deu no “Dezenove de Dezembro”, no dia 4 de maio de 1872: “ATENTADO! O alemão Júlio Klass, sofrendo de “delirium tremens’, dirigiu-se ontem de manhã ao palácio e procurou o exmo. Sr. Presidente da província, revelando, pelos gestos e palavras, intenções malignas. Como soubesse que s. excia. ali não estava, seguiu correndo para a residência do exmo. Sr. Dr. Agostinho Ermelino de Leão. Invadiu a chácara e quando pretendia saltar por uma das janelas da casa, pois que a porta da entrada se achava fechada, foi detido por algumas pessoas de fora que o tinham acompanhado para prevenir alguma desgraça. Foi então preso e recolhido ao corpo de guarda em atenção à sua posição de oficial reformado do exército prussiano. A polícia tomou conhecimento do fato. Convém empregar-se uma providência de modo a evitarem-se consequências funestas dessa mania homicida que parece ter-se apoderado deste homem”.

Os números não mentem. Estatisticamente, vivemos hoje numa ilha de segurança. “Um Brasil diferente”, com todo o respeito ao mestre Wilson Martins.