Em Lisboa ninguém precisa sair à procura do fado. O fado vem até você.  Ao subir o Chiado em busca das melhores casas de shows, um raro carro francês “Flor de Liz” (cujo modelo original é de 1902) leva escrito na porta: “Silêncio, cantam guitarras”. A serviço da Fundação Manuel Simões (editor que criou a fundação para a difusão do fado como canção urbana de Lisboa), com dois atendentes, o calhambeque é um museu a levar o forasteiro a uma guitarra, uma voz, um xale e todo o sentimento do povo português agora declarado pela Unesco Patrimônio Imaterial da Humanidade.

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Na ladeira da Rua do Carmo, a poucos passos dos movimentados Armazéns do Chiado (o principal shopping do centro), podemos encontrar CDs de grandes fadistas contemporâneas (Ana Moura, Mariza e Carminho), até raridades da eterna Amália Rodrigues. Só não podemos fazer uma pergunta que faria transbordar a paciência do Rio Tejo: “Seria o fado de origem brasileira?”.

Ora, ora, pois, pois! Conforme já registrou o nosso falecido jornalista Aramis Millarch, o primeiro a fazer tal provocação foi o historiador e antropólogo Luiz da Câmara Cascudo, no seu “Dicionário do Folclore Brasileiro”, onde ele escreveu que “o fado é uma canção popular portuguesa, especialmente cantada em Lisboa e Coimbra, de origem brasileira, vinda do lundu, já divulgada entre o povo, quando a corte portuguesa se estabeleceu no Brasil, em 1808”. Existe ainda a tese de que o fado de origem brasileira embarcou para Portugal na memória dos brasileiros enriquecidos e dos portugueses pobres, rodou pelos bordéis e pelos botequins do Tejo, fixou-se na “malavita” de Lisboa e, para o nosso bem, acabou se nacionalizando português.

Assim como o mestre Cascudo, outros pesquisadores concordam com a afirmação de que o fado seria uma música de origens brasileiras, “embora os lusitanos praticamente tenham se apropriado dela, a partir de 1840, transformando-a na música nacional de Portugal”.

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“Roma fez o Direito. Paris fez a Revolução. Lisboa, o que criou? O fado!”, comentou certa feita Eça de Queiroz, o grande escritor português. Fado quer dizer destino. Portanto, não devemos ter a pretensão de discutir tal paternidade. Mesmo no coração dos brasileiros, o fado sempre foi a mais profunda expressão da alma portuguesa, com certeza!