Se a Nossa Senhora do Desterro nos proteger, hoje estarei em Florianópolis para o lançamento do livro Piloto de Bernunça, do cronista Sérgio da Costa Ramos, no qual fui agraciado em participar com as ilustrações. O prefácio é do escritor Deonísio da Silva. O pianista Arthur Moreira Lima, bom de ouvido, fez o texto da orelha.

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Bernunça é uma das figuras do “Boi de mamão”, o folguedo popular do litoral de Santa Catarina. Quando ela entra na roda, é o centro da folia, é dona da festa: “Arreda, arreda, senão ela te come! Arreda do caminho, que a Bernúncia tá com fome!”, cantam os manezinhos. E onde a bernunça vai, o povo vai atrás.

Cronista mais estimado de Santa Catarina, Sérgio da Costa Ramos é o próprio “Piloto de Bernunça”, o fio condutor da opinião e do bom humor no Diário Catarinense. Sempre elegante, erudito quando necessário, nas suas alegorias revela aos forasteiros os usos e costumes, modos e maneiras da ilha, o jeito e a linguagem. Diz o cronista: “Ter nascido nesta Ilha é ser vizinho de porta do Criador, onde o manezinho profere expressões como estas: “mofas com a pomba na balaia’, “arrombassi, Laíla’, “se é segredo não me contes, se é intriga não me digas’, que às vezes parece falar hebraico, etrusco ou alguma língua extinta que aqui reviveu: “djá hoch’, “garrou a dizê’, “criô nojo’, “arrengou-se’. Ia esquecendo que o primeiro tem um diminutivo: djá hochinho. Na vulgata da língua portuguesa falada no resto da costa brasileira é “ainda há pouco, agorinha’”.

No prefácio, Deonísio da Silva reafirma o que os seus admiradores espalham no vento sul: “Na companhia de Luis Fernando Veríssimo, na capa de outro livro do autor, escrevi e reitero: estamos diante de um dos grandes cronistas brasileiros”.

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O que não é pouco, nos ensina o professor Deonísio: “A crônica é um mar de complexas navegações. Bons escritores já naufragaram nesse mar por considerarem ser a crônica um gênero menor, algo que destilariam entre um romance e um ensaio, entre um conto e um poema. Não é bem assim”.

Walter Galvani, cronista gaúcho dos bons, que arrebatou o prestigioso galardão Casa de las Americas com Nau Capitânia, disse que o cronista faz “o voo da gaivota, rente às ondas até a hora de fisgar o peixe e então voar, mais e mais, sem deixá-lo cair, escritor-pescador que leva o peixe-texto ao leitor-gourmet, sabendo, entretanto, que o prato deve alimentar todos os leitores e não apenas aqueles que são capazes de degustar alguma refinada ironia”.

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Ao mestre, com carinho. Assim tratei as ilustrações para o Piloto de Bernunça. Tão “catarinauta” quanto Deonísio da Silva (agora Cidadão Honorário do Rio de Janeiro), pela primeira vez tenho meus desenhos editados em Santa Catarina: da antiga Desterro, o Piloto de Bernunça me buscou do desterro por opção.