Perna curta, língua longa

A mentira pode ter perna curta. Mas, em compensação, a língua do mentiroso alcança a ponta do nariz. Quando o Dia da Mentira surgiu na França, no começo do século 16, o Ano Novo era festejado em 25 de março, junto com a chegada da primavera. As festas duravam uma semana e terminavam no dia 1.º de abril. Naqueles tempos, a mentira já tinha perna curta. Por isso, todos acharam que o rei Carlos IX estava mentindo quando, em 1564, anunciou a adoção do calendário gregoriano, determinando assim que o Ano Novo fosse comemorado no dia 1.º de janeiro.

Acostumados com as velhas mentiras da monarquia, alguns franceses não levaram a sério a mudança. Sabiam que reformas, vindas da realeza, só mesmo na “folhinha”. Continuaram a seguir o calendário antigo, pelo qual o ano iniciaria em 1.º de abril. Nasceu assim o Dia dos Bobos, quando os gozadores passaram a ridicularizar os conservadores, enviando presentes esquisitos e convites para festas que não existiam.

Se alguém achar que tudo isso é mentira, basta conferir no Google: em países de língua inglesa, o Dia da Mentira costuma ser conhecido como “April Fool’s Day”, ou Dia dos Tolos. Na Itália e na França, ele é chamado respectivamente “Pesce d’aprile” e “Poisson d’avril”, o que significa literalmente “peixe de abril”.

Uma data puxa a outra. Desde o grito do Ipiranga (Independência ou morte!), a mentira no Brasil tem as pernas cada vez mais curtas, os mentirosos a língua longa e a hipocrisia tornou-se uma instituição nacional.

Os generais determinaram “comemorar” o golpe militar em 31 de março e não em 1.º de abril, a data real do sinistro. Juscelino criou a capital da mentira. Jango Goulart não foi escorraçado, fugiu. Jânio Quadros não bebeu demais da conta, renunciou. Tancredo Neves se internou no Hospital de Base para tratar de uma simples dor de barriga. A Academia Brasileira de Letras ainda acredita que Zé Sarney é escritor. Collor de Mello era um caçador de marajás. Fernando Henrique Cardoso pediu para que esquecessem tudo o que escreveu e agora também quer entrar na Academia. E Luiz Inácio Lula da Silva cometeu esta frase que tem tudo para abrir a sua póstuma biografia: “A desgraça da mentira é que, ao contar a primeira, você passa a vida inteira contando mentira para justificar a primeira que contou”.

Uma mentira puxa a outra. Depois de uma perna vem outra perna, devagar o engodo foi ao longe. Não importa nome, sobrenome, seja rico ou seja pobre: “Antes das nove estarei de volta!”. “Só um beijinho, meu bem!”. “Amanhã eu lhe pago, sem falta!”. “Não deixarei pedra sobre pedra!”. “Você foi a única mulher que eu realmente amei!”. “O povo não suporta mais mentiras!”. “Eu não minto!”.

E quem quiser que conte outra.