Pela paz lapiana

Na próxima terça-feira, 8 de dezembro, acontece a primeira conferência pela pacificação da Lapa. Por ser esse o “Ano Internacional da Reconciliação”,
atendendo apelo da ONU, a Lapa estende as mãos e se prontifica a unir num só abraço Pica-paus e Maragatos, os históricos desafetos da Revolução Federalista.

Para quem acha que “entrevero” é apenas o nome de uma comida tropeira composta de arroz, alcatra, linguiça, coração e carne de frango, e mais o que tiver à mão com tempero a gosto, diga-se que na legendária Lapa, o velho Paraná é dividido em dois: no entrevero, de um lado os Pica-paus, de outro os Maragatos.

O Cerco da Lapa rasgou feridas que em ambas as facções ainda não cicatrizaram. E nem podiam, considerando-se ainda que, em pleno furor da batalha, famílias adversárias dividiam a cerca de ripa e o tiroteio. Casa aqui, casa acolá, vizinho contra vizinho, os canhões Krupp dos revoltosos faziam o trabalho de destruição.

As paredes das casas esburacadas, as velhas relações de amizade rachadas: por parte dos federalistas brancos, isto é, dos Maragatos da cidade, o trabalho de intrigas, de boatos falsos e de informações às forças sitiantes. Até a correção de tiro dos invasores era feita pelos informantes maragatos, também lapianos da mesma cepa.

Dormindo com o inimigo, o bravo General Carneiro alertava os Pica-paus em manifesto à população: “Tendes vencido até agora esses desleais inimigos que, reconhecendo a sua própria fraqueza, apelaram agora para as intrigas, os falsos boatos e a traição…”.

Na legendária Lapa, talvez a única pessoa capaz de reunir Pica-paus e Maragatos em torno de uma farta mesa fosse um milagroso com dotes culinários de desarmar os espíritos: o Monge João Maria D’Agostini, por exemplo.

Não se sabe se o abençoado da Lapa seria também mestre-cuca, a história não chegou à cozinha do monge. Presume-se que sim, pois se dedicava ao estudo das plantas da região, medicava enfermos, realizava profecias e fazia orações, razão pela qual seu refúgio continua visitado por milhares de fiéis que buscam, na Gruta do Monge, a cura de males.

A gruta seria o local ideal para a conferência de pacificação de Pica-Paus e Maragatos. Depois da rodada de chimarrão, os desafetos históricos sentariam à mesa da conciliação com guardanapos de linho branco no pescoço (não os lenços vermelhos e brancos velhos de guerra) e o monge passaria então a servir os milagres de sua cozinha: quirera com costeletinha de porco, feijão tropeiro, arroz de cordeiro, frango ensopado, carne ao molho de pinhão, doces de leite, banana, abóbora, mamão verde, carambola e goiabada da Casa Lacerda.

Não estando a Gruta do Monge disponível no momento, a conferência será realizada no Teatro São João, às 15 horas, onde os que ainda guardam no fundo do baú alguns ressentimentos vão se acomodar em torno da mesa redonda para desfazer as quireras do passado que, à mesa bem posta, não tiram o sabor da vera quirera lapiana.

A mesa será assim formada: Valéria Borges da Silveira, secretária de Cultura da Lapa; Maria Thereza Lacerda, autora do projeto; José La Pastina Filho, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan); Luiz César Kreps da Silva, professor do curso de pós-graduação em História e autor de importante pesquisa sobre o Cerco; Euclides Machi, diretor do Museu Paranaense, representando a secretária Estadual de Cultura, Vera Mussi; Dorothy Carneiro, descendente do General Carneiro; Eliane Racke, historiadora e professora da História; Márcia Dalledone Siqueira, historiadora e professora da UFPR; e Iara Sandelari Milchweski, coordenadora da Fael.

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Gumercindo Tavares e o General Carneiro foram convidados, ora pois! No entanto, mandaram avisar do além que só comparecem caso os organizadores consigam reservas no spa da Lapinha.