Peixinhos e peixões

Sendo que todo filho de peixe peixinho é, muitos seguem à risca a lei da natureza para justificar privilégios e perpetuar no topo da pirâmide os filhos dos bem nascidos. São estes os que confundem eugenia com nepotismo, ou alhos com bugalhos.

O assunto tem tudo a ver com a temporada de verão, quando vemos tantos peixinhos a nadar no mar, e ficamos a indagar se todos eles seriam filhos de tubarões. O que não é verdade, pois qualquer pescador sabe que, mesmo tendo nascido peixe, filho de bagre bagrinho é.

Quem na vida não nasceu para ser bagrinho comumente não sabe a diferença entre alhos e bugalhos e acha que o favorecimento à família está escrito na Bíblia: “Mateus, primeiro os meus”.

Muito usam o nome do discípulo de Jesus em vão, sem saber a origem da expressão. Matheus era cobrador de impostos na Judéia. Tendo que servir a dois senhores, sendo judeu também servia aos romanos, sofria dupla hostilidade: ser cobrador e, ainda por cima, agradar aos invasores. Diante disso, a bíblia imputou a Mateus a origem do egoísmo: cuidar primeiro dos mais chegados, dos parentes e amigos, para só depois tratar dos outros. O que no Maranhão ficou assim: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Das palavras gregas “eu” (bom) e “genos” (nascimento), o termo eugenia foi criado em 1883 por Francis Galton, que depois foi “patenteado” por Adolf Hitler. Primo irmão de Charles Darwin, Galton era um rico herdeiro que a princípio estudou medicina, mas posteriormente seguiu os conselhos de Darwin e passou a se dedicar à matemática.

Aos 22 anos, Galton tornou-se cientista amador. Matemático brilhante, sua obsessão era a medição. Media o tamanho de cabeças, narizes e membros. Mediu as características das impressões digitais, o que levou a Scotland Yard a adotá-las como método de identificação em 1901.

Acima dos prós e contras da eugenia, os estudos de Galton sobre hereditariedade o levaram a descoberta de conceitos matemáticos fundamentais para a estatística moderna.

Um deles é de 1875, depois que Galton distribuiu pacotes de ervilha a sete amigos. Cada um recebeu sementes de tamanho e peso uniforme e devolveu a semente da geração seguinte. Ao medi-las, Galton notou que a média dos diâmetros dos descendentes de sementes grandes era menor que a de seus descendentes, enquanto a média dos diâmetros dos descendentes de sementes pequenas era maior que a de seus ascendentes. Em seguida, no laboratório, notou o mesmo efeito no peso de pais e filhos humanos. Ele chamou o fenômeno de “regressão à média”.

Galton logo se deu conta que qualquer processo que não apresentasse regressão à média, iria acabar fora do controle. Por exemplo: filhos de pais altos seriam mais altos ainda e assim sucessivamente. Dessa forma, com o passar das gerações os seres humanos mais altos seriam cada vez mais altos. O jogador de basquete com dois metros de altura, e ainda casado com uma jogadora de vôlei também com dois metros, teria netos da altura de uma girafa.

Devido à regressão à média, isso não acontece. O mesmo acontece com talentos dos mais diversos, seja o pai um artista, um cientista ou um político. Pais muitos altos não devem esperar que seus filhos sejam tão altos quanto eles, pais muito inteligentes não devem esperar que seus filhos sejam tão inteligentes. Edinho, o filho de Pelé, não passou de um péssimo goleiro; e os Picassos deste mundo não devem esperar que seus filhos igualem seus feitos. Por outro lado, os baixinhos podem esperar filhos altos e todos nós que não somos brilhantes podemos apostar no talento de algum de nossos netos.

Filho de bagrinho, bagrinho é. Mas o mar nasceu para todos, e o peixinho hoje será o peixão amanhã.