Parecer jurídico

“Serra Acima Serra Abaixo (O Paraná de trás pra frente)”, esse é o título do livro que estou acabando de alinhavar com a intenção de levar às livrarias em março. Um dos capítulos trata do “Simpósio do Barreado”, que destrincha a histórica questão: “Onde nasceu o barreado? Paranaguá, Antonina ou Morretes?”.

Nesse “Simpósio do Barreado” reuni na ficção as maiores autoridades paranaenses no assunto, com convidados do Brasil, do mundo e do além, entre eles o gastrônomo Alexandre Dumas, autor do Grande Dicionário de Culinária. Também convidado especial, o advogado Eroulths Cortiano Junior, professor de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), estudou a belicosa questão a nosso pedido. A seguir, um trecho do parecer jurídico.

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Dante Mendonça pede-me uma opinião sobre as origens do barreado. Diz ele que é uma consulta jurídica, mas aí eu respondo: “Se for consulta, tenho que chamá-lo de consulente, e isto não é jeito de chamar os bons amigos”. Além disso, quem sou eu para dar opinião em um assunto que envolve gerações, faz litigar cidades e culturas, e já foi objeto de estudos científicos e trabalhos acadêmicos (dois títulos, colhidos ao acaso na rede: “Idas e vindas do Barreado e sua Contribuição para o Turismo Local no Litoral do Paranaense”; e “Técnicas de Conservação do Barreado e sua Utilização para o Turismo”)?

Essas coisas de paternidade Msão complicadas. Difícil dizer se o barreado é de Morretes, Antonina ou Paranaguá, e ele bem pode ser de Guaraqueçaba ou de Guaratuba. Pode ser de Caiobá ou de Matinho (não é erro de digitação: falo Matinho com base em Saint-Hilaire e no Professor Bigarella; o “s” somente veio com a chegada dos banhistas). Como dizia o Cony, rigor histórico é uma coisa muito relativa. Se precisamos de algum marco territorial, ele parece ser do litoral paranaense (que, em termos políticos, nem paranaense era há duzentos anos – data provável do primeiro Barreado destas bandas – quando ainda éramos a Quinta Comarca…). No fundo, a questão não é a divisão político-territorial dos nossos Brasis (Cambé, que está bem distante do mar, tem sua Festa do Barreado há mais de 20 anos…), mas as práticas e fronteiras culturais. Então fica acertado que o barreado é paranaense, o que o coloca ao lado de típicos pratos, como, entre outros, o carneiro no buraco, o feijão tropeiro e o pinhão assado na grimpa. Todos cujas origens também se perdem na história indígena e tropeira que deu origem ao nosso Paraná. A grande verdade que cerca o barreado é a de que deve levar carne de peito de boi, toucinho e temperos, devendo ser servido com farinha e banana. O barreado, além de seus sabores, tem suas utilidades: o longo tempo de cozimento – que exige o barreamento da panela para não secar a carne – permitia que as mulheres abandonassem a cozinha e fossem dançar o fandango. Ele era a comida do Carnaval e do entrudo, preparando organismos para a longa moratória de carne durante a quaresma, e cujas calorias davam energia e estímulo sensorial para mais dança. Sem dúvida, ajuda bem a impedir a ressaca.

Questão relevante é a do acompanhamento líquido (e este é um problema que vai além do barreado: o que beber com feijoada, com moqueca, com rabada, com polenta?). Diz a tradição que, durante o barreado e até duas horas depois, não se pode beber água, em hipótese alguma. É morte certa. O único acompanhamento permitido é a cachaça. De preferência, em respeito ao nosso litoral caiçara, cachaça de banana. Não convém desrespeitar as tradições…

Falei, falei e não disse nada. Se é necessária alguma informação mais precisa, o que posso fazer é pedir que o consulente Dante fale com dona Dóris Cunha – para os íntimos, Dorinha -, essa sim, uma conhecedora das tradições paranaenses e cozinheira de mão cheia. Do alto de seus tantos anos de vida cordial, de seu bom humor permanente e de sua competência gastronômica, Dorinha faz um barreado inesquecível. Assim, de consultado passo a consultor:

– Dona Dóris qual é, mesmo, a origem do barreado?