Íttala Nandi, atriz e coordenadora da Escola Sul-Americana de Cinema e Televisão do Paraná, comprovou numa entrevista a velha teoria de que um idiota sempre encontra um idiota ainda maior para admirá-lo. Digamos que Íttala Nandi não é uma idiota, ela apenas não consegue se expressar a contento sem antes decorar o texto. O que a aproxima de um perfeito idiota é a rasura das idéias. Como se o caldo da cultura paranaense fosse servido num prato tão raso quanto o palavrório da bela senhora: ?Eu jamais vi um estado coberto de maior terror do que o Paraná. Os meus alunos, a maioria deles, têm depressão. E depressão é fascismo. Portanto, há repressão nesse estado, em todas as partes?.

continua após a publicidade

Anarquistas, graças a Deus é nome do livro onde a escritora Zélia Gattai conta dos antepassados italianos que fundaram a Colônia Cecília, povoação anarquista criada pelo cientista Giovanni Rossi em Palmeira, no Paraná. Em 1894, o anarquista italiano que pregava o amor livre escreveu suas memórias. Relatou a experiência que afundou no charco das misérias humanas. Sobre o caráter dos paranaenses – que a atriz Íttala Nandi conhece apenas do meio em que sobrevive -, Giovanni Rossi deixou duas páginas (texto abaixo) que deixam dúvidas acerca do caráter de quem afirma que o Paraná é um estado fascista, ?colonizado pelos segmentos sociais do mundo mais repressores, que são os poloneses, alemães, italianos?.

******

O paranaense é hospitaleiro no sentido amplo e restrito da palavra. Ele deseja a imigração e aceita os imigrantes com simpatia, ao contrário dos argentinos e chilenos. O paranaense declara explicitamente que o País é grande e rico demais para ele, que ele não tem incentivo suficiente para procurar todas as riquezas e extraí-las com um trabalho metódico, racional e assíduo.

continua após a publicidade

– Não temos grandes necessidades – eles dizem -, as que temos são suficientes, facilmente; assim, repousamos na rede, tomamos o mate, tocamos violão e passeamos a cavalo. É preciso que venha o estrangeiro. Ele nunca está satisfeito; quando tem dois, quer quatro e desse jeito faz progredir o País.

– Precisamos do estrangeiro – é a frase que corre na boca dos paranaenses.

continua após a publicidade

No meio da mata ou no campo, de dia ou de noite, apresentem-se à casa de um rico ou de um pobre e serão recebidos com gentileza e toda a atenção. Será servida a melhor comida que há na casa, o dono da casa cederá sua cama, seja ela rica ou pobre, e passará a noite perto do fogo. Podem pendurar num cabide a bolsa cheia de dinheiro e dormir tranqüilos, que nem um centavo será tocado. Pela manhã, se pedirem para pagar o incômodo causado, os paranaenses responderão, surpresos: – Mas isso não custou nada!

A maneira de tratar do paranaense é muito gentil, às vezes muito cerimoniosa. Se ele encontrar alguém na rua, cumprimenta; muitas vezes pára o cavalo para dirigir cumprimentos, ainda que não conheça a pessoa. O mais pobre ou o mais ignorante que se apresente à sua casa não entra sem antes pedir licença, tira o chapéu e cumprimenta com educação.

Obviamente, pretende que quem vai à sua casa faça o mesmo. Nas maneiras de tratar, o caboclo mais humilde ou o camponês demonstra uma polidez que se diria aprendida na escola.

É interessante constatar como tais maneiras polidas são aprendidas rapidamente pelos colonos estrangeiros, que, geralmente, são bastante grosseiros quando chegam ao Paraná. Acredito não se tratar simplesmente de um fenômeno de imitação, em grande parte isso vem da nova condição social, independente, digna e, em seguida, da conquista de um certo bem-estar.

O paranaense é prestativo, e quase nunca deixa de ensinar algo sobre o País. Na medida em que sua condição o permite, gosta de dar presentes e também recebê-los. A primeira égua, as primeiras vacas e os primeiros porcos da nossa colônia foram presentes de vizinhos gentis.

No centro deste lindo País, descrito talvez de forma um tanto prolixa, no meio desses habitantes amáveis e bem-dispostos, no alto de colinas formosas, estabelecemos a nossa colônia socialista, com quatro vigilantes palmeiras em sua frente e um rico laranjal ao lado. (Giovanni Rossi – 1894)