Em apenas cinco dias, sofremos dois grandes desfalques: na madrugada de domingo, se foi o cartunista e escritor Seto; na madrugada de ontem, o advogado e cronista Nireu Teixeira. No idioma de Curitiba, Nireu Teixeira quer dizer grande caráter + talento. Em bom japonês, Cláudio Seto quer dizer a mesma coisa.

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A manchete da página três da Tribuna do Paraná de segunda-feira passou um atestado a Cláudio Seto: “Papel cumprido”. Aquele título de página, por si só, é um passaporte para a eternidade. Perante Cristo, Buda ou Maomé, basta apresentar o jornal na entrada e, em vista do exposto, o ingresso à companhia dos bons é garantido.

– Esse cumpriu o seu papel! dirá o inquisidor, com a Tribuna do Paraná na mão.

O jornalista Mussa José Assis conheceu Cláudio Seto bem mais do que eu. Assim como Jaime Lechinski (autor da tradução caráter + talento), este sim um amigo de fé e irmão camarada de Nireu Teixeira.

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Se não tive o privilégio de me considerar amigo de infância de um e de outro, isso não quer dizer que, por muitos anos, não tenhamos cultivado uma boa amizade. Mesmo com diferenças de idade e círculos de convivência, éramos da mesma turma, digamos. A nos unir, lembro sobremaneira das noites na redação do jornal Correio de Notícias, onde Nireu Teixeira entregava, em mãos, suas crônicas para nós dois ilustradores. E assim passávamos os dias: ilustrávamos a crônica, fechávamos a edição do dia, e sedentos lá íamos ao encontro de Nireu Teixeira no Bar do Juarez, uma quadra ao lado.

É preciso acrescentar que saíamos sedentos não apenas de cerveja, ávidos chegávamos ao Bar do Juarez para ouvir as histórias de Nireu. Seguíamos o cheiro, porque aprendemos com o jornalista João Dedeus Freitas Neto: “Curitiba, Nireu, te cheira!”

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Nireu Teixeira foi fundador de vários sodalícios em Curitiba. O Bar do Juarez era um deles. Como ficou registrado em suas crônicas, pelo balcão do Juarez muitas águas rolaram, amigos passaram. Freguês bissexto que ia ao Juarez só para ouvir o seu chefe de gabinete tocar caixinha de fósforos, Jaime Lerner acredita que, se deixassem Nireu como mediador, acabariam guerras, intrigas e desavenças entre os homens.

O ex-prefeito, mais do que ninguém, sabia de quem estava falando. Nireu, neste momento, deve estar contando as últimas para a engenheira Francisca (Franchete) Garfunkel Rischbieter, a amiga de fé e irmã camarada que deixou este depoimento: “Minha função no gabinete era ajudar as coisas a caminhar e proteger o prefeito do dia a dia que nada dá. Então Nireu Teixeira e eu fazíamos o cerco para ele poder continuar criando. A prefeitura funcionava como uma máquina azeitadíssima e o prefeito nem precisava tomar conhecimento do dia-a-dia”.

Nas três gestões de Lerner, todo mundo sabia que Nireu Teixeira era o “pronto-socorro do bom senso”. Hoje, o que poucos sabem é que o eterno chefe de gabinete assumiu o cargo de prefeito várias vezes, sempre que Jaime Lerner viajava ao exterior. No tempo da ditadura, não se sabe por quais dos mistérios da legislação biônica, Nireu Teixeira era o prefeito interino.

“Você quer ser feliz ou quer ter razão?” Para o cronista, esta era uma das lições para uma boa convivência fora do expediente. Certa noite, o prefeito estava no Bar do Juarez tocando caixinha de fósforos quando um dos circunstantes, diretor da prefeitura, resolveu ir embora, acordar cedo para tocar obras. Nireu Teixeira puxou de um guardanapo e, ali mesmo no balcão, “decretou” feriado municipal.

Ontem, no velório, uma caixinha de fósforo foi parar junto às mãos do interino. Jaime Lerner viu e comentou: “Foi o meu melhor substituto”.
 
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Para o amigo Ernani Buchmann, “trata-se de um homem de múltiplas profissões, ainda que o tomem por jornalista e advogado”. O mesmo se pode dizer de Claudio Seto, ainda que o tomem por cartunista e escritor.

Os dois cumpriram seus papéis, e muito mais.