Papas do fim do mundo

Amigo engenheiro agrônomo, especialista em batatas, acaba de retornar de uma viagem a trabalho na Argentina e não podia estar numa cidade melhor para assistir à eleição do papa: Balcarce, uns 450 km ao Sul de Buenos Aires, terra de Juan Manoel Fangio (o piloto de corridas venerado em cada esquina), é produtora da grande maioria da batata frita (papas) congelada consumida no Brasil. Quando do Vaticano foi anunciado o papa Francisco, o garçom da “parrilla” comemorou discretamente:

– Habemus papam! Y en Balcarce, tenemos papas!

Ao que o brasileiro, que bem conhece os hábitos alimentares dos nossos vizinhos, acrescentou:

– Mate, biscoitos, empanadas e papas para todos. O papa é argentino!

Num país onde se come batatas fritas (papas) com quase tudo, principalmente com “bife de chorizo”, aparentemente a eleição de um hermano para ser o intermediário de Deus não é lá uma grande surpresa. Não chega nem aos pés do Messi. Muito menos à barriga de Maradona. Principalmente quando se sabe que os cardeais optaram por Jorge Mario Bergoglio porque só mesmo um argentino para conversar com Deus de igual para igual.

Assim como os brasileiros, argentino é louco por televisão. E na semana passada, principalmente, não podia ser diferente. Afinal, o bispo de Buenos Aires seria o cara! Ou pelo menos assim deveria ser. Mas acontece que num país onde a viúva Kirchner pretende simplesmente abolir todos os cartões de crédito em uso e adotar um único que seria emitido pelo governo, o cara não é o Bergoglio. É o Chávez.

A antipatia do governo kirchenerista com o cardeal de Buenos Aires é uma história bastante conhecida. Mas, na atual Argentina, é um assunto a se evitar. A veneração pela múmia de Hugo Chávez é vinte vezes maior do que a atenção dada às palavras de Francisco. Se fosse no estádio de La Bombonera, o placar seria de lavada: Chávez 20 x Papa 0. Nas ruas, cartazes e outdoors lamentam a morte do comandante, fotos da presidenta (parece que em espanhol existe isso) junto ao velho camarada em tudo que é vilarejo do país e, na televisão estatal, o tema é um só: Chávez.

Enquanto o mundo celebra a eleição de um argentino para o trono de São Pedro, qualquer forasteiro fica surpreso com a palavra de ordem nos muros daquele país predominantemente católico: “Chávez vive, la lucha continua!”.

Ao se despedir dos maiores produtores de “papas” da Argentina, o nosso amigo engenheiro agrônomo gravou na memória uma imagem emblemática daquele fim de mundo: um ônibus parado e vazio que fazia uma linha chamada “Hospital – Cemitério”.