Palavra de quem sabe (Final)

Engenheiro civil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre e PhD em Mecânica de Solos pela Universidade do Novo México (EUA), o engenheiro Ney Augusto Nascimento foi convocado para auxiliar na análise das causas da tragédia em Santa Catarina. Aqui, a parte final de seu depoimento.

Algum tempo após o desastre, equipes de profissionais de todo o País acorreram aos locais mais problemáticos, com o imediato suporte de brasileiros de todo canto, trabalhando duro, dedicando-se ao esforço de salvamento, de resgate, de apoio, de remediação.

Ao mesmo tempo que reverenciamos os mortos, mutilados ou empobrecidos na tragédia, nos perguntamos: poderíamos ter evitado, ou ao menos minimizado as coisas? Talvez nunca saibamos ao certo. Essa dúvida permanecerá entre nós, seja no coração dos bananeiros locais, dos responsáveis pelos órgãos ambientais, seja nos construtores que desbastaram os pés de morro ou em outras tantas autoridades que eventualmente foram coniventes com ataques de toda sorte à mãe natureza.
No olho do furacão, área do Morro do Baú, as coisas evoluíram nos dias seguintes. Houve a retirada de muitos corpos e Deus sabe quantos ainda há perdidos nos detritos! O suprimento de bens necessários imediatos foi iniciado, abrigos provisórios apareceram e o fluxo de comida, bebida, remédios e correlatos está organizado e funcionando. Menos mal, porque as coisas poderiam ser ainda piores, não fosse a ação de tantos heróis que jamais conheceremos, nunca darão entrevistas, não serão sequer citados em discursos pós-tragédia.

Há situações ainda drásticas, como grupos de pessoas isoladas do resto do mundo acessos sumiram, não há telefone nem rádio e os suprimentos chegam via aérea. O transporte por helicópteros e a união de Exército, Marinha e Aeronáutica fazem a diferença. Com apoio de outras entidades, públicas e privadas, fecham a corrente da solidariedade e mantêm não só a vida das pessoas isoladas, mas principalmente a esperança de que tenham uma segunda chance de prosperidade.

Vale lembrar aqui do Roberto, morador da área, ainda jovem, que nos acompanhou em várias das vistorias feitas pelos voluntários das equipes de geologia e geotecnia. Para ele, o drama começou com a visão aterradora dos primeiros deslizamentos, da devastadora enchente e da urgente necessidade de auxílio aos primeiros desabrigados, feridos e mortos. Sua casa, modesta, porém boa, foi seriamente afetada, assim como a oficina de artesanato em madeira, fonte de sustento da família. Não bastasse isso, o morro lateral às edificações está comprometido, trincado, movimentando-se lentamente, provavelmente saturado. Inviabiliza por completo o seu retorno à casa e ao trabalho cotidiano. O que dizer ao Roberto? Voltar para casa nessa circunstância seria puro suicídio, pois com mais alguma chuva, para citar o mínimo, a encosta ruiria por completo e provavelmente soterraria mais uma família!

Na qualidade de espertos em terra e rocha, somos comumente instados a opinar favoravelmente à volta ao lar, ao trabalho, à normalidade das coisas… como fazê-lo, diante de tal e incerto cenário? Infelizmente, não é possível no momento. O risco de novos acidentes é enorme e o bom senso recomenda que, na dúvida, não se arrisca. Assim como não se arrisca na estrada, diante de condições desfavoráveis. Portanto, caro Roberto, não volte para casa por enquanto. Esse raciocínio é o foco das equipes de resgate e auxílio, em especial do pessoal da Defesa Civil, que prioriza a vida, deixando todo o resto em segundo plano.

Este arrazoado procura mostrar, com um pouco mais de detalhes, o alcance da tragédia. O vale já não é mais o mesmo e as pessoas também mudaram, pelas perdas sofridas, pela simples lembrança de alguma cena dantesca. Um rio outrora sossegado que subitamente avança pelas casas da rua, um talude florido que deu lugar a enorme voçoroca ou à horrível cena gravada na memória da retirada de um corpo soterrado. O vale jamais poderá ser o mesmo.