Palavra de quem sabe (2)

Engenheiro civil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre e PhD em Mecânica de Solos pela Universidade do Novo México (EUA) com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Ney Augusto Nascimento foi convocado para auxiliar na análise das causas da tragédia em Santa Catarina. Aqui, a segunda parte de seu depoimento.

Lamentavelmente, da beleza veio o horror; do verde exuberante predominou o marrom escuro sinistro; do sossego sobressaiu o rugido feroz; da tranqüilidade imperou a correnteza hostil. Em resumo, da paz tão desejada, tão necessária, tão boa e tão calma restou a guerra, a destruição, a perda, quisera todos fosse só de matéria fria, mas foi de corpo e alma de inocentes, crianças, velhos, ricos, pobres, brasileiras e brasileiros, enfim.

O que ocorreu para tal e instantânea mudança? Friamente, como se com os nossos parcos conhecimentos de rochas, solos, geologia, geotecnia, topografia e afins, aliados à tão decantada experiência profissional, diríamos (já que modestamente me incluo entre eles) que o gatilho da água extremamente abundante e concentrada foi acionado, diminuiu drasticamente a resistência ao cisalhamento dos materiais naturais das encostas, erodiu com violência o solo, afetou rochas mais intemperizadas, desprendeu matacões isolados nos taludes, acumulou-se perigosamente e quase como que uma bomba poderosa, nesta guerra entre o homem e a natureza, explodiu e devastou tudo o que pôde e tudo o que quis.

Pela própria natureza, a lei da gravidade impera e há o violento trajeto, de tudo e de todos, para os fundos de vale, sejam grandes ou pequenos, com rios poderosos ou riachos até então tranqüilos.

A tragédia é sempre notícia. De imediato, o alarme foi dado e espalhou-se a catástrofe aos quatro ventos da correria inicial, feita exclusivamente por vizinhos, amigos, parentes, colegas, passou-se à organização de ações, comandos, levantamentos e outras atividades afeitas a situações de alto risco. Essa expressão, de utilização comum, bem caracteriza não somente o que já ocorreu, mas também conseqüências futuras que poderão advir do estado de coisas caótico, digamos do pós-guerra, guerra essa que é sempre perdida pela humanidade perante a ordem natural das coisas.

O pequeno e até então belo vale do Morro do Baú, município de Ilhota, tornou-se irreconhecível. Deslizamentos de taludes (comumente denominados de quedas de barreiras pela imprensa em geral), enchente recorde, ruína de edificações, assoreamento de grandes áreas mais planas (inclusive do antigo leito do rio, que foi deslocado pela grande quantidade de sedimentos diversos ali depositados), soterramento de casas inteiras, desaparecimento de áreas originando vazios inacreditáveis, sumiço de plantações e remoção de pavimentos estão entre os elementos dessa tragédia. Explicação? Justificativa? Culpa? Sim. Não. Sim e não. Como assim? Na guerra, como na guerra. De pronto, socorro, auxílio, resgate, tudo em meio ao horror geral, momentos seguintes ao impacto, ou à explosão da bomba de gatilho d’água.

Uma pequena digressão, merecedora de crédito e da forma como foi comentada, em particular, por um dos moradores da área, seriamente afetado pelo acidente. Conta o cidadão, recém-refeito do enorme susto (graças a Deus, ele e sua família estão bem, apesar das perdas materiais), que sentiu vibrações intensas na sua casa, como que antevendo o problema com dias de antecedência. Terremoto? Talvez propagação de outros acidentes próximos, já que houve dezenas e dezenas deles, em municípios contíguos? Não se sabe, mas vale investigar com cuidado. Por certo, a conhecida frase de que no Brasil não há terremoto já está devidamente superada: há terremotos no solo pátrio. Tanto é verdade que a ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas, entidade que dita referências para serviços, produtos, projetos etc. e tem força de lei, já editou normatização a respeito, definindo áreas sísmicas no País.