Paixão versus eficiência

Onde você estava no dia 4 de julho de 1954, quando a Alemanha Ocidental ganhou da Hungria por 3 a 2 e ganhou a Copa do Mundo em Berna?

Onde você estava no dia 8 de julho de 2014, quando a Alemanha unificada humilhou o país de futebol com uma goleada histórica de 7 a 1, em Belo Horizonte?

De Berna a Belo Horizonte, foram 60 anos suando a camisa para a Alemanha pisar no Maracanã como favorita, num confronto mano a mano com a Argentina. Hoje a Germânia é a prima-dona entre as nações europeias, mas nem sempre foi assim. Embora muitos países tivessem seus esportes nacionais e acontecimentos esportivos característicos (o hóquei no gelo na República Tcheca, o basquetebol na Lituânia e na Croácia, a Volta da França de ciclismo, o torneio de tênis de Wimbledon, as touradas de Madrid e na Itália o automobilismo), depois da Segunda Guerra Mundial o que realmente uniu a Europa foi o futebol, conta o historiador Toni Judt, no seu fabuloso livro “Pós Guerra”, a história da Europa desde 1945:

“O futebol era jogado em todos os países da Europa, mas nas primeiras décadas do pós-guerra os jogadores mantinham-se perto da sua terra natal. Os espectadores assistiam aos jogos das equipes do seu país; os jogos internacionais, relativamente poucos frequentes, eram vistos em alguns lugares como reconstituição da história militar”.

Nas primeiras décadas do pós-guerra, os jogadores de diferentes países europeus estavam muito pouco familiarizados uns com os outros e, salvo raras exceções, só se encontravam em campo. Fato extraordinário aconteceu em 1957,quando o atacante galês John Charles fez história ao deixar o Leeds United para se juntar à Juventus de Turim pela assombrosa quantia de 67 mil libras. O acontecimento ganhou a primeira página em ambos os países. Até o final da década de 60, era muito raro um clube contratar um craque de outra nacionalidade.

O extraordinário Ferenc Puskas, depois de fugir de Budapeste para jogar no Real Madrid, era praticamente desconhecido fora do seu país – de tal forma que em 1953, quando Puskas comandou a Hungria na primeira derrota da seleção inglesa em casa, os jogadores ingleses diziam antes de começar o jogo: “Olha só aquele gorducho… vamos dar uma goleada!”.

Uma geração mais tarde – escreve Tony Judt – os “gorduchos” viraram estrelas de futebol. Não necessariamente os jogadores mais talentosos, mas os que se evidenciavam pelo seu aspecto físico, pelas mulheres bonitas com que se casavam e por uma vida privada animada. Desempenhavam um papel na vida pública e nos jornais populares até então reservados aos artistas de cinema e aos membros da realeza. De tão popular, havia quem sugerisse que o futebol substituía não só a guerra, mas também a política.

É esse fenômeno europeu que brasileiros e argentinos vão enfrentar no fim de semana. Não veremos em campo socialistas versus capitalistas; proletários versus patrões; imperialistas versus revolucionários. Frente a frente, paixão versus eficiência.