País do futebol

Bem saiu, fui à livraria comprar o meu exemplar do último livro de Gay Talese, Vida de escritor. Já na abertura, uma pequena história pessoal do autor que podia ter sido escrita de encomenda para nós outros, nascidos no País do Futebol, ou para os privilegiados brasileiros agraciados com um naco da Copa de 2014.

Antes de mais palavras, digo que ainda não passei das duas primeiras páginas dessa autobiografia de um escritor, onde Gay Talese discorre sobre suas próprias experiências no ofício de perguntar, pesquisar, pensar e escrever. E, mesmo para quem é fã de futebol (o que é o meu caso), duas páginas bastam para riscar uma perspectiva de futuro, além da Copa do Mundo de 2014, quando muito provavelmente vamos terminar a festa recitando Carlos Drummond de Andrade:

E agora, José? / A festa acabou, / A luz apagou, / O povo sumiu, / A noite esfriou, / E agora, José? / E agora, você? / (…) O bonde não veio / O riso não veio / Não veio a utopia / E tudo acabou / E tudo fugiu / E tudo mofou / E agora, José? / José para onde? / E agora José? / Para onde?

***

Criador do “novo jornalismo”, Talese conta de sua Vida de escritor: como surge um livro que venderá centenas de milhares de exemplares; como ele lida com a insegurança, ou o tédio, ou a solidão; como um jornalista consegue passar anos e anos estudando um único assunto; porque ficou tantos anos sem escrever um novo livro; são 509 páginas introduzidas pelo seguinte texto que muito nos diz:

***

Não sou, nunca fui, um apreciador de futebol. É provável que isso se deva, em parte , à minha idade e ao fato de que, na adolescência, quando eu morava no litoral sul de Nova Jersey há meio século esse esporte fosse praticamente desconhecido dos americanos, a não ser os nascidos no exterior. E, embora meu pai fosse nascido no exterior era um sisudo alfaiate que se vestia com esmero, oriundo de uma aldeia calabresa, no sul da Itália, e naturalizado norte-americano em meados de 1920 -, quando conversava comigo sobre futebol ele se limitava a discorrer sobre as brigas de sua juventude relacionadas ao esporte, e sobre a frustração que sentia ao ver os colegas de escola jogando numa praça enquanto ele costurava à janela dos fundos de um ateliê próximo, onde trabalhava como aprendiz. No entanto, como muitas vezes me repetia, já naquela época ele sabia que aqueles jovens atletas (entre os quais havia irmãos e primos seus, menos conscienciosos) estavam perdendo tempo e pondo em perigo seu futuro, chutando bola de uma lado para o outro quando deveriam estar aprendendo um ofício digno e se preparando para pagar o alto preço de uma passagem para os Estados Unidos, onde poderiam alcançar a prosperidade como imigrantes. Mas não, continuava ele, incansavelmente dedicado a me advertir: eles dissipavam suas tardes jogando futebol na praça, da mesma forma como mais tarde viriam a jogar atrás da cerca de arame farpado do campo de concentração de prisioneiros de guerra no norte da África em que foram metidos pelos aliados (aqueles que não foram mortos ou aleijados em combate) quando se renderam, em 1942, na qualidade de soldados de infantaria do exército derrotado de Mussolini. Vez por outra, eles enviavam cartas ao meu pai, contando sobre o confinamento. Um dia, já perto do fim da Segunda Guerra Mundial, ele pôs de lado a correspondência e me disse, num tom de voz que eu prefiro interpretar como mais triste do que sarcástico:

– Eles ainda estão jogando futebol!

***

Em julho, Gay Talese vem ao País do Futebol para participar da 7.ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Com 77 anos, o jornalista que já viu quase tudo (ou tudo) deve relembrar na ocasião o alfaiate Giuseppe Talese, num tom de voz que vamos preferir interpretar como mais triste do que sarcástico.