Em agosto de 1961, quando as autoridades de Berlim Leste puseram trabalhadores e soldados a riscar uma linha divisória com Berlim Oeste, líderes soviéticos e americanos comemoraram a pedra fundamental do Muro de Berlim. Simples, bom e barato, foi um remédio caseiro para a dor de cabeça que tirava o sono de Kennedy e Kruschev.

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Desde o lançamento do “Sputnik”, em outubro de 1957, os americanos e ingleses entraram em pânico com as exibições do “hardware” soviético, assustados com o poder de fogo e o longo alcance dos inimigos na Guerra Fria. O primeiro-ministro inglês, por exemplo, chegou a afirmar privadamente que a URSS já não temia mais ninguém: “Eles possuem forças nucleares pelo menos tão poderosas quanto o Ocidente. Têm linhas de comunicação interna, uma economia em ascensão e em breve irão ultrapassar a sociedade capitalista na corrida à riqueza material”.

Como se viu depois, o “Sputnik” ganhou o Oscar de Efeitos Especiais (sendo os mísseis um exercício de propaganda) e Nikita Kruschev ganhou o Nobel de Economia, pela gestão do conglomerado vermelho tratado a pão, água e cassetete.

Para consumo externo, as armas nucleares fizeram com que Moscou e Washington formalmente mostrassem as garras. E era importante que parecessem prontos para usá-las. Mas, como a propaganda é a alma do negócio, na prática a dor de cabeça germânica tirava o sono de Kennedy e Kruschev.

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No poderoso livro Pós-Guerra, de Tony Judt, são revelados os bastidores do jogo de cena entre as duas potências e, com detalhes, o “outro lado” do Muro de Berlim. É um catatau de quase mil páginas, mas indispensável para entender os motivos de tanta festa 20 anos depois.

Russos e americanos subiram no muro, a obra foi um negócio da china para ambos os lados. Os Estados Unidos andavam à procura de uma forma de se retirarem do emaranhado europeu em que se viram envolvidos. A operação já estava ficando muito cara, apesar das boas intenções de boca para fora: “Ich bin ein berliner” (eu sou um berlinense), dizia John Kennedy. Por sua vez, a União Soviética assistia ao êxodo de técnicos e cientistas rumo a oeste, com a roupa do corpo. A fuga através de Berlim aumentava mais do que nunca. Semanalmente, milhares de pessoas partiam para o Ocidente. A maioria com menos de 25 anos; a esse ritmo, a República Democrática Alemã em breve estaria sem ninguém.

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A resposta foi cortar o nó górdio de Berlim, traçar definitivamente uma linha que separasse os dois lados de uma vez para sempre. Em três dias foi erguido um muro grosseiro, suficiente para conter a sangria. Nas semanas seguintes, foi elevado e fortificado. Berlim tinha o seu Muro.

Segundo Tony Judt, oficialmente o Ocidente ficou horrorizado. “Nos bastidores, muitos líderes ocidentais ficaram secretamente aliviados com o surgimento do Muro de Berlim. Durante três anos Berlim ameaçara ser o rastilho de um confronto internacional. Independentemente do que se dissesse em público, poucos políticos ocidentais podiam seriamente imaginar pedir aos seus soldados para morrerem por Berlim”. Como disse Dean Ruskk, o secretário de Estado de Kennedy, o Muro tinha a sua utilidade: “Em termos realistas é provável que se torne mais fácil um acordo sobre Berlim”.

Em suma, esclarece o historiador Tony Judt: “O resultado da crise de Berlim mostrou que as duas grandes potências tinham mais em comum do que era por vezes reconhecido”.

E os alemães? Ora os alemães, eles que fossem plantar batatas!

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Vinte anos depois, as reportagens sobre a queda do Muro de Berlim têm como foco os escombros de “uma revolução feita pelas mãos do povo, numa luta de mãos e marretas contra o concreto e pela liberdade”.

De todos os documentários que assisti neste final de semana, a mais importante lembrança veio da televisão francesa: João Paulo II, o homem que primeiro empunhou a marreta.