O Rio Iguaçu guarda mistérios que vêm de longe. De Curitiba, testemunham os ribeirinhos, vêm na forma de garrafas plásticas, sacolas com lixo, fraldas descartáveis e demais monstros aquáticos. Mas também guarda gigantes como Tico Morgado, ex-jogador de futebol que já vestiu a camisa do Botafogo e jogou ao lado de Garrincha.

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Quem entra no Bar do Tico Morgado (foto), no centro de Porto Amazonas, não deixa de grudar os olhos naquele senhor dono de si e da paisagem que o cerca, e com razão: no outro lado da rua nasceu Wilson Firmino Martins Morgado, no dia 21 de abril de 1929, filho de imigrante português oriundo da Cidade do Porto.

Do balcão do Tico Morgado menino não sai sem anzol de pescaria, gente grande não paga a conta sem antes um gole de cachaça com butiá. Passa boi passa boiada, voam bandos de gralhas azuis e quero-queros, passam macacos e capivaras, os vapores do Rio Iguaçu já não passam mais abarrotados de madeira e erva-mate, mesmo assim os forasteiros não podem passar por Porto União sem dar uma passadinha no Bar do Tico Morgado, beber uma cerveja de três reais e ouvir as histórias do guapo dos Campos Gerais que foi treinar em Monte Alegre, no time da Indústria Klabin, e acabou no ataque do Botafogo. Foram apenas dois jogos com a estrela solitária no peito, contra o Madureira e o Bangu. Mesmo assim, Tico exibe o orgulho com os retratos na parede: recebia a bola de Nilton Santos, tocava sob medida para Garrincha.

Na contabilidade geral, Tico Morgado só lamenta que onde ganhou mais dinheiro foi no Cruzeiro de Ponta Grossa e, mesmo com a canhotinha de ouro, não aceitou jogar no Corínthians por causa da torcida: “Todo jogo tem que jogar bem. Isto é impossível, e torcida cobra demais da conta!”

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O ator Mário Schoemberger foi um dos ouvintes de Tico Morgado, sempre atento ao butiá e ao movimento do botequim. Tanto que numa daquelas fases minguadas, na entressafra da bilheteria, o desconsolado Schoemberger dizia ao iluminador Beto Bruel:

– Acho que vou fazer um aporte financeiro de 200 reais e virar sócio do Tico Morgado!

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Mário não precisou morar na barranca do Rio Iguaçu: no dia seguinte recebeu convite para atuar em São Paulo, e a vida do ator mudou de cachaça com butiá para uísque Red Label.

Para tico Morgado, Garrincha era um monstro, mas não tão monstro quanto Zizinho, monstro até maior que Pelé. Mário Schoemberger não duvidava de uma só palavra de Tico Morgado, e não há porque duvidar do maior conhecedor de lobisomens dos Campos Gerais.

– Tico, ainda existem lobisomens em Porto Amazonas?

– Existem, são muitos! Só que agora eles nascem em Curitiba, retiraram areia do fundo das barrancas e deixam as poucas árvores penduradas no vazio. Em Santa Catarina há muito proibiram a indústria criminosa da areia de rio. Aqui no Paraná, proíbem de fumar (e olha que nunca botei esse veneno na boca!), mas o governo ainda permite estes vampiros da draga de sugarem a areia da veia do rio. O mato em volta sumiu, estes lobisomens ainda vão acabar com o pouco que resta do velho Iguaçu!

E Tico Morgado joga o olhar azul de nostalgia rio acima rio abaixo.