Os ipês amarelos do general

Na manhã de domingo passado, no dia da padroeira da cidade, o grupo chamado Croquis Urbanos-Curitiba ganhou um dia abençoado pela Virgem. Com muito sol, arquitetos, ilustradores e aquarelistas ocupamos a Praça Tiradentes para registrar as linhas e cores da Catedral Basílica Menor da capital do Paraná. Ao feitio dos aquarelistas que deixaram os únicos retratos do Brasil ainda nas fraldas – Debret e Rugendas foram dois dos mais notáveis -, a trupe dos Croquis Urbanos vai deixar um belo acervo para o futuro dessa cidade que, assim desvairada, ninguém mais sabe onde vai dar.

Com um aparato bem mais modesto, artistas de agora fizeram o que era de rotina para o General Picasso em meados do século passado. Destacado personagem do meu livro “Maria Batalhão – Memórias Póstumas de uma cafetina”, naqueles tempos ninguém vendia mais quadros em Curitiba do que o General Picasso. Aduladores e oportunistas de prontidão faziam fila para comprar a metro as paisagens do pintor fardado. O generalato para ele era um bico, ganhava mais com o pincel do que com a espada. Ninguém mais pintava tantas paisagens a óleo sobre tela do que aquele soldado que, ao invés da espada, fez a carreira com o pincel e a brocha. “Brocha, principalmente”, diziam os fofoqueiros.

Se existia uma coisa que o General Picasso respeitava era a sua rotina de artista. Nos dias de folga, com a tarde livre, ia pintar paisagens. Os ipês amarelos da Praça Tiradentes eram os seus preferidos, com a Catedral ao fundo.

Toda quarta-feira o espetáculo era o mesmo. Nas tardes de pintar os ipês, a viatura do Quartel General estacionava em frente à Catedral, sob as vistas do arcebispo. Enquanto os soldados da PE (Polícia do Exército) fortemente armados faziam o reconhecimento do terreno, quatro recrutas transportavam cadeiras, mesas, guarda-sol e uma bem fornida cesta de piquenique. Todo o material de pintura, do cavalete aos panos de limpar os pincéis, tintas em profusão, telas dos mais variados tamanhos e formatos, quando tudo estava a postos para o trabalho o general descia do jipe do comando e se dirigia para o centro da Praça Tiradentes, ombro a ombro com o seu ajudante de ordens.

General Picasso demorava quase uma hora para começar propriamente a pintura, levando-se em conta ainda as interrupções para as fotografias da imprensa, mas na hora do chá ele assinava a obra e mandava a tropa recolher o piquenique.

Muitos daqueles ipês amarelos do general estão escondidos em respeitáveis porões da mais alta nomenclatura paranaense. Outros ipês tiveram mais sorte, ainda ornam as salas de visitas.