Os incorbúvios

A sucursal da extinta Gazeta Mercantil em Curitiba deixou saudades, além de uma geração de brilhantes jornalistas e muitas histórias para contar. Valério Fabris e Cláudio Lachini foram os dois últimos diretores daquele jornal econômico, ambos capixabas e hilários contadores de histórias – como devem ser os nascidos em Cachoeiro do Itapemirim, terra do cronista Rubem Braga. Valério Fabris, especialmente, não se sabe se conta melhor uma história escrevendo ou falando.

Em suas andanças para investigar a economia do Paraná e Santa Catarina, Fabris tinha um motorista muito simpático, expedito, arguto, vivaz e de fino faro. Poderia ter sido também jornalista, não fosse sua característica mais notável, a síntese absoluta na análise dos fatos. Seria uma rara virtude jornalística, não fosse seu dicionário resumido numa única palavra: “Colosso!”. Para qualquer situação – feliz, hilária ou trágica -, expressava seu mais profundo e sincero sentimento com essa exclamação: “Um colosso!”. 

Quando a ministra Zélia Cardoso de Mello sequestrou a poupança nacional para os cofres de Fernando Collor de Mello, só mesmo o motorista da Gazeta Mercantil para explicar a situação: “Um colosso!”. Com o carro esperando o sinal abrir, quando uma bela mulher cruzava a faixa de pedestres, ele chamava atenção do chefe: “Seu Valério, que colosso!”. Uma das últimas vezes que Valério Fabris falou com o seu motorista foi na manhã de 11 de setembro de 2002, quando recebeu em casa um telefonema desesperado: “Seu Valério, um colosso! Um colosso, seu Valério!”.

Primo de Valério Fabris, o jornalista e escritor Claudio Lachini era discípulo do motorista da Gazeta Mercantil. Só que, ao invés do “Colosso!”, fazia uso de um adjetivo para qualificar ou desqualificar todos os substantivos: “Incorbúvio!”. E nem precisa puxar do dicionário, pois esta é uma palavra “incorbúvia” inventada pelo Lachini.

“Qual a sua opinião sobre o secretário da Fazenda?” – perguntava o empresário. Lachini respirava fundo e respondia: “É um incorbúvio!”.  Mais não lhe era perguntado, muito menos alguém passava recibo. Se o governador comentasse a desastrada política econômica do governo federal, Lachini descontraía a entrevista coletiva: “Estamos vivendo uma situação incorbúvia, não é mesmo governador?”. Por essas e outras, nunca se ouviu Claudio Lachini insultando alguém. Até o mais reconhecido mau-caráter do meio jornalístico era chamado por ele de “incorbúvio!”.

Durante o julgamento da camarilha do mensalão, deu vontade de telefonar para São Paulo, onde Lachini mora atualmente: “Cláudio, que você acha dos juízes Toffoli e Lewandowski?”.