Os furibundos

Com um perfil socioeconômico de classe média, o casal Derrier tem quatro filhos: Meditabundo, Nauseabundo, Moribundo e Vagabundo. O chefe da família é Dr. Furibundo Derrier, casado com dona Pureza, de tradicional família da Lapa, e filho de um aventureiro francês que fabricava “banana em pó”.

O jovem Henry Derrier chegou ao Paraná junto com os imigrantes pioneiros da leva trazida ao Brasil pelo médico Jean-Maurice Faivre, aquele mesmo doutor que é nome de rua.

Os Derrier são industriais desde a origem, fabricantes de papel higiênico em Paris. No Brasil, depois de abandonar o sonho socialista de Dr. Faivre na Serra da Esperança, o recém-imigrado Henry Derrier aventurou-se em projetos por demais avançados para a época. No início do século passado, por exemplo, Derrier conheceu Monteiro Lobato e ficou entusiasmado com a idéia de montar uma fábrica de pó de banana em Morretes. O projeto não era novo, já não tinha dado certo anteriormente quando realizado por um amigo também francês, mas mesmo assim ele retomou o experimento. Importou um aspirador de pó da França, remontou a máquina projetada por amigo de Monteiro Lobato e botou pra funcionar a traquitana em Porto de Cima, local de grande atividade bananeira no litoral paranaense.

Aos derrotados as bananas, dizia-se então em Morretes: “Onde já se viu, pó de banana?” Apesar de todos acharem que isso devia ser idéia de algum Napoleão de hospício, Henri Derrier conseguiu distribuir algumas amostras de pó de banana em lata no mercado de Curitiba. Porém (e naqueles anos 30 grassavam os poréns), os consumidores serra acima não assimilaram o produto. Queriam a banana in natura, no cacho, conforme o gosto da macacada. Além do mais, diziam os comerciantes de Curitiba, se fosse cachaça em pó o produto não encalharia na prateleira.

Desanimado, Derrier vendeu (a preço de banana) a máquina de pó de banana para um otário de Corupá (SC) e partiu para novos negócios. Seguindo os passos de um amigo francês de Curitiba, montou uma fábrica de palhões (embalagens para o transporte de bananas em cacho) em Marechal Mallet e foi nesta região de colonização polaca que teve outra brilhante idéia: uma fábrica de pieroge em conserva.

A idéia era boa, o mercado abundante, tinha tudo para dar certo, mas não deu. O erro mercadológico estava no rótulo e na receita: “Pieroge Derrier, com ingredientes tipicamente franceses”: os pequenos pastéis eram feitos de farinha de trigo, queijo Camembert e batatas, cozidos no leite, ao molho de manteiga, trufas, “foie gras”, cogumelos secos e mostarda Dijon. O produto ficou caro demais para a polacada de Marechal Mallet e o nome poderia ser outro: “Pieroge da Babka”, por exemplo.

De Marechal Mallet, cheio de dívidas, Henri Derrier foi tentar se reerguer na Lapa, com outra indústria de alimentos. Desta feita, levantou um financiamento no governo do Maneco Facão (naquela época ninguém pagava ninguém), e montou uma fábrica de goiabada em lata. Também não deu lucro (porque na Lapa goiabada boa é aquela feita em casa), mas em compensação conheceu uma lapiana bonita com quem se casou numa festa de três dias e três noites.

Digamos que o casamento fez o francês se aprumar, deixar de aventuras empresariais. Voltando às origens familiares, Derrier instalou então em Curitiba, no Bacacheri, uma fábrica de papel higiênico e assim tocou a vida. Uma vida que sempre foi um inferno, diga-se, graças à inflação, aos sucessivos planos econômicos e, sobretudo, aos impostos que não deixavam nem mesmo um fabricante de papel higiênico fazer suas necessidades em paz.

Daí que Henri Derrier tornou-se mais um brasileiro furibundo. E daí que nasceu o nome do primeiro filho: Furibundo Derrier. E daí também os netos, Meditabundo Derrier, Nauseabundo Derrier, Moribundo Derrier e o caçula Vagabundo Derrier.

O resto da história vem amanhã.