O governo brasileiro optou pela lei do silêncio, a “omertà”, sobre a decisão do ministro Tarso Genro de conceder refúgio político ao terrorista carcamano Cesare Battisti.

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A “omertà” não nasceu nas ruas de Chicago. A lei do silêncio da máfia começou bem antes de Cristóvão Colombo e Américo Vespúcio, outros dois carcamanos que vieram “fazer” a América. Em 1282, um soldado francês estuprou e matou uma jovem de Palermo no dia do seu casamento. A vingança do noivo siciliano foi terrível. Como se tudo estivesse na mais perfeita paz, no silêncio da noite, a “famiglia” ultrajada massacrou a guarnição inteira de soldados franceses. Privados de seus instrumentos de curra, não sobrou um para contar a história em Paris. Em seguida, o exército francês varreu o sul da Itália para descobrir o paradeiro dos vingadores; e uma nuvem de silêncio cobriu Palermo. A vingança foi celebrada numa ópera de Verdi e serviu de inspiração à máfia. Para vingar afrontas contra um irmão, é preciso esperar o momento certo para a vingança, um prato que se come frio. Nunca se gasta todo o chumbo num só tiro, pois outros serão precisos. Nunca se pede a ajuda da polícia, nunca (sob pena de morte) se revela nada à Justiça sobre os membros da “famiglia”.

É a “omertà”, a lei do silêncio. É uma questão de princípios que ainda hoje se observa nos livros de viagens sobre o sul da Itália: “Se estiver num hotel ou pensão na Calábria, discuta tudo em termos amigáveis. Com essa atitude, que não deve ser exagerada, sua posição na casa tende a mudar gradualmente; de hóspede você passa a ser um amigo, um irmão. Porque você tem que mostrar, antes de mais nada, que não é um “scemo” (imbecil, miolo mole), o pecado imperdoável no sul. Você pode ser um falsário ou um matador (por que não?), mas é gente da família”. É “cosa nostra”.

Hoje o carcamano é “buona cosa nostra”, mas nem sempre foi assim tão bem tratado como o terrorista Cesare Battisti. O escritor americano Gay Talese, no livro Fama & Anonimato, fez um perfil genial do mafioso Frank Costello e, por associação, um resumo de como eram tratados os italianos na América de Frank Sinatra, quando os italianos tinham vergonha da origem, se sentiam incomodados com o próprio nome, sensíveis a qualquer pergunta:

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– Você é italiano?

– Não é de sua conta!

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– Ei, carcamano!

– Veja com quem está falando!

A vergonha do próprio nome era tanta que os “oriundi” chegavam a trocar de nome, como se isso enganasse alguém. O pugilista Joseph Carrera passou a se chamar Johnny Dundee. A partir de então, ganhou o apelido de “carcamano escocês”.

Conta Gay Talese: “Da década de 1880 ao princípio da década de 1900, eles cruzaram o Atlântico em navios imundos, porque eram pobres; trabalharam cavando valas, porque não tinham instrução; e era raro o dia em Nova York em que algum irlandês, do outro lado da rua, não gritasse para eles: Ei, carcamano sujo, porque não volta para o lugar de onde veio?”.

No Brasil, o carcamano Cesare Battisti está se sentindo na Calábria. Não é um “scemo”, está discutindo tudo em termos amigáveis. Com o “padrinho”, advogado Luiz Eduardo Greenhalg, está sendo protegido por bons companheiros (i compagni), está se sentindo em casa. Na “casa nostra”.

Enquanto isso, gritam do outro lado da rua: “Ei, carcamano sujo, porque não volta para o lugar de onde veio?”.

Para resolver o “imbroglio”, o presidente Lula tem uma conselheira: Marisa Letícia, a mulher com cidadania italiana. Contra ou a favor da extradição de Battisti, só esperamos que a primeira-dama tenha orgulho do passaporte de reserva, e não siga o exemplo das damas americanas do tempo de Frank Costello:

– E o que achou de Roma, senhora Winfred?

– Uma maravilha, só que tem italianos demais!