Terra de todas as gentes, a intolerância mostrou a sua cara no norte do Paraná, quando centenas de refugiados assírios arrumavam malas e tralhas para se abrigar nas terras de Londrina.No episódio vergonhoso, a xenofobia se baseava em teorias científicas e teses raciais para branquear a pele morena da nação.

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Depois da revolução de 30, nem todo imigrante era “aceitável” na composição da epiderme nacional. Inclusive os japoneses (“gafanhotos amarelos roedores de macarrão”), que “podiam colocar em risco a integração étnica, a homogeneidade da raça, a unidade do povo brasileiro”. Eugenia não era só um conceito acadêmico muito em moda nas cervejarias de Munique. Nos trópicos, era o ideal de “branqueamento”, auxiliando na formação de um povo “sadio, educado, homogêneo e etnicamente integrado”.

A cara da intolerância está no livro Crônicas da Fronteira, do historiador Rogério Ivano, relato da conquista das terras roxas do Paraná que, desde o século XIX, se tornam palco de um autêntico fenômeno de fronteiras, dos mais expressivos na América do Sul: “Intelectuais, doutrinas, tradições, propagandas, suportes legais e policiais passavam a funcionar como peças de uma nova noção sobre raça criada com o governo Vargas. Um dos principais mecanismos era a política imigratória que, atendendo às demandas racistas, culminaria com as disposições restritivas da Constituição de 1934”.

Quando a notícia da imigração assíria ganhou as páginas dos jornais, houve uma clamorosa reação junto aos formadores da opinião pública. Apesar de brancos, católicos e agricultores, a imprensa passou a qualificar os assírios como uma raça perigosa. Indesejáveis inassimiláveis.

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A Liga das Nações e a Inglaterra, fiadores dos deserdados, tornaram-se alvo de artigos eivados de racismo. Os guardiões do ovo da serpente viam na ajuda aos refugiados uma forma de degenerar a raça brasileira. Os líderes do movimento contra a imigração japonesa também passaram a pregar ardentes discursos contra os assírios e, diante da dificuldade para definir os refugiados como assírios (cristãos) ou iraquianos (islamitas), os obtusos optaram pelo mais incendiário: “Muçulmanos fanáticos”.

O Instituto da Ordem dos Advogados do Paraná e outras agremiações de classe subiram no patíbulo para decapitar os assírios: na rádio PRB-2 e nos jornais da capital, cederam palavras de brilho à campanha para angariar simpatizantes e fazer o governo federal rever a decisão de receber aqueles errantes do planeta.

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Os advogados, especialmente, se esmeraram na ladainha xenófoba contra os assírios e sua perigosa localização nas cercanias de Londrina: “Basta de achincalhes!”; “Crime de lesa Pátria!”; “O Paraná não pode e o Brasil não quer!”; “O Brasil não é o esterquilínio do mundo!”; “Reação ou sujeira!”; “As incursões imperialistas e os assírios” eram os títulos dos mais influentes discursos e editoriais.

Diante da reação contrária à acolhida dos assírios no Paraná, os planos de ajuda humanitária começaram a ruir. A pressão política, a contrariedade da classe dominante e as reportagens negativas finalmente levaram o governo a repensar sua decisão de abrigar os sem pátria: “Próximo ao mês de maio de 1934, os assírios tinham sido transformados dos pacíficos agricultores católicos em um grupo guerreiro que traria perigos sociais e econômicos ao Brasil”. Desordeiros, revoltoso, indisciplinados, truculentos, inconfiáveis, eram os atributos mais leves dados a eles pelos apóstolos da eugenia.

Em junho de 1934 Getúlio Vargas proibia a entrada dos assírios no Brasil. Os esbirros comemoraram: enfim, o Norte do Paraná se viu livre daqueles “muçulmanos fanáticos”.

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Se aquela “canalha” tivesse invadido o Paraná, onde estariam hoje os assírios? Em Foz do Iguaçu (com aspas para a ironia!), “fazendo companhia a Osama Bin Laden e seus terroristas numa caverna alhures, nas barrancas do Rio Paraná”.