Os assírios (1)

Na Itália, Silvio Berlusconi instituiu a delação premiada para quem apontar alguém de pele morena dormindo numa pensão clandestina. Isso, enquanto o próprio dorme com damas de qualquer cor na alcova palaciana. Com indisfarçável voracidade, a direita xenófoba vai apresentando o cartão vermelho aos extracomunitários de quase toda a Europa.

Na Alemanha a xenofobia ganhou reforço com a expressiva vitória da coligação de centro-direita, enquanto na França o inferno continua sendo os outros e nas sombras da Comunidade Europeia, imigrante bom é imigrante com muito dinheiro no bolso.

Neste Brasil brasileiro, vivemos numa babel de paz e amor para dar e vender (nas praias do Nordeste), imersos na paisagem dessa aquarela racial, principalmente no Paraná, terra sem preconceitos. Apesar de incontroláveis recaídas, como aconteceu com Roberto Requião na “Terça Insana”, quando despejou seu “bom humor” num funcionário público de origem japonesa que aproveitou a ocasião para dizer ao governador que o problema da instituição é a falta de pessoal.

– Está demitido o japonês! O Iapar perde agora mais um pesquisador.

Segundo o governador, todos os pedidos feitos pelo Iapar referentes a pessoal foram atendidos.

– Gafanhoto, você perdeu uma grande oportunidade de ficar quieto!

Requião fechou a “Terça Insana” perdoando, em parte, o “atrevido Kung Fu”:

– Japonês, você continua (não está demitido), mas fica sem macarrão durante 15 dias.

O Paraná é uma terra sem portas, mas com algumas porteiras de tal nível.

Um episódio exemplar da nossa tão propalada democracia racial, quando a xenofobia mostrou a sua cara, aconteceu no norte do Paraná. Na formação daquele “oásis colonial”, a terra prometida aterrorizava a oligarquia do velho Paraná, que via toda a riqueza da região passar ao largo da capital e do Porto de Paranaguá. Como não podiam mandar prender os suspeitos de sempre, a rede de intrigas se estendeu em torno das companhias estrangeiras (Land Company) que, donatárias das terras roxas, estariam transformando o Paraná numa extensão do colonialismo britânico.
No precioso livro Crônicas da Fronteira, o historiador Rogério Ivano recuperou uma “vergonha” que caiu no esquecimento desta terra de todas as gentes:

“Nos primeiros anos de 1934, um acalorado e ríspido debate ganha as páginas de vários jornais do País, associações de classe e rodas de conversa. É quando chega ao conhecimento da opinião pública a informação de que o governo brasileiro tinha aprovado a entrada de centenas de famílias assírias no Brasil”.

Então, os assírios somavam 20 mil refugiados de guerra, uma nação sem Estado desde que tinham sido expulsos da Turquia para o Iraque. Declarando-se católicos, eram protegidos da Grã-Bretanha, à qual se aliaram durante a Primeira Guerra Mundial.

Em 1932, vendo no êxodo um misto de ajuda humanitária e lucro fácil, a Paraná Plantations propôs assentar os assírios no Norte do Paraná, em suas terras próximas a Londrina. A princípio, as autoridades viram os assírios como um povo aceitável: “uma raça ariana, sem qualquer característica semítica ou árabe… sua religião é o cristianismo e eles são agricultores e pastores”, garantiam os britânicos.

“Para inglês ver!”, murmuravam as sombras.

Segundo Rogério Ivano, “a possibilidade da imigração assíria acontece justamente quando eram crescentes o nativismo e a xenofobia de proprietários de terras, da classe média urbana e de muitos administradores e dirigentes políticos. Sentimentos que se firmavam a partir das novas perspectivas sobre raça e nacionalidade que surgiam no país após os anos 1930. Antes dessa década, todo imigrante era branco, desde que não fosse negro ou asiático. A isso correspondia a ideia de que, através da miscigenação, a negritude da sociedade seria paulatinamente neutralizada, como queriam as teorias científicas e as teses raciais”.

***

A história merece mais um capítulo: amanhã, o destino dos assírios.