A história sempre foi reescrita pelos vencedores. Pelos vencedores, pelos donos do poder ou pelo estamento – para usar uma palavra muita usada na ditadura, quando o jurista Raymundo Faoro se referia ao estamento burocrático que, quando bem aparelhado, mandava e desmandava no resto.

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O que nunca se supunha na história do Brasil é que alguém viveria para testemunhar com os próprios olhos a prisão dos intocáveis da república: os maganos das empreiteiras que sempre deram sustentação às falcatruas dos poderosos de ocasião.

Tendo em vista a tsunami que devastou as plataformas de propinas da Petrobrás, mais uma vez a história de Ali Babá e os 40 ladrões precisa ser revista. Como são tantas as versões deste conto, uma a mais não fará nenhuma diferença no livro das Mil e Uma Noites da Corrupção no Brasil.

No País das Maravilhas, cuja capital era a Cidade Maravilhosa, havia dois primos, chamados Youssef e Ali Babá. Youssef prosperou com uma lavanderia enquanto Ali Babá sobrevivia como empregado (sem carteira assinada) do “brimo”. Certa vez, quando Ali Babá foi entregar um smoking na sede da Petrobrás, viu que todas as portas da poderosa estatal se abriam para uma quadrilha de 40 ladrões, mediante uma senha: “Abre-te, Petrobrás!”.

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Inclusive as portas da diretoria, que para sair eram acionadas com a contrassenha: “Fecha-te, Petrobrás!”. Quando os 40 ladrões foram embora, Ali Babá entrou na sala da presidência e descobriu o mapa da mina de um tesouro sem fim. Com as burras cheias de euros e dólares, após se descartar das ações da companhia que não valiam muita coisa, Ali Babá voltou para casa rindo à toa.

Com os bolsos cheios e a consciência leve, tudo corria bem quando Youssef descobriu de onde vinha a súbita riqueza do parente:
– Ou você me conta o segredo da falcatrua ou eu abro o bico para a Polícia Federal!

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Ali Babá, desfrutável como todo novo rico, entregou o segredo e Youssef lavou a égua em plena sala da presidência da Petrobrás. A pilhagem seria perfeita, não fosse Youssef esquecer a senha ao sair. Foi quando os 40 ladrões entraram subitamente na sala da presidência e surpreenderam Youssef com a mão na botija.

– O que é que você está fazendo aqui? – perguntaram.

– Ora, estou fazendo aqui o que vocês estão fazendo desde o tempo de Getúlio Vargas, quando foi fundada a Petrobrás!

Ao reconhecer que o intruso sabia demais, os 40 ladrões convidaram Youssef para entrar na quadrilha:

– Nós administramos o serviço sujo e você cuida da lavanderia!

Youssef aceitou com uma condição:

– O que faremos com Ali Babá?

– Seu primo já levou o suficiente. Mesmo assim, vamos bancar a campanha de Ali Babá para senador. Com um nome desses, já está eleito!

– E quanto às propinas para o esquema de proteção?

– Não há o que temer! – tranquilizou o mais velho dos 40 ladrões – No País das Maravilhas é assim mesmo: ladrão que segue exemplo de ladrão tem cem anos de perdão! Além do foro privilegiado!

Youssef coçou a cabeça. Deu três voltas peripatéticas ao redor da caverna e apontou o dedo para os 40 ladrões:

– Com toda essa soberba, vocês ainda vão parar na cadeia. Alguém aqui conhece o juiz federal Sérgio Moro?

– Ora, ora: até uma simples agente de trânsito sabe que juiz não é Deus!

– O doutor Moro não é o Todo Poderoso, mas acreditem: o juízo final está próximo!