Sem nenhum espírito natalino, pegaram o Coritiba para Cristo. Pilatos (STJD) lavou as mãos (que não são das mais limpas) e consultou a opinião pública: o Coritiba ou os vândalos? Qual dos dois quereis crucificado? Respondeu a multidão: o Coritiba! Que mal fez ele? Perguntou Pilatos. E cada vez clamavam mais: Seja o Coxa crucificado!

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O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) não teve respeito nem mesmo com as barbas brancas do réu e condenou o centenário ancião a percorrer um calvário equivalente ao tempo de 30 partidas de futebol. Afora a multa de trinta moedas. O Coritiba é povo palestino do Brasil Meridional. Sem terra e casa própria, sobrou a bandeira e sabe-se lá se restou o orgulho. De agora em diante, vai mendigar por um pedaço de grama com alambrado para sobreviver. Vai comer a grama que o diabo aparou. E o que é pior, veremos do Alto da Glória um corpo insepulto percorrendo o Paraná em busca de um paradeiro, de boas almas que o abriguem.

Será um urubu aziago com um chocalho amarrado às asas para servir de exemplo.

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Conta-se que, no norte velho, lá pelos idos de 1900 e dercygonçalves, um fazendeiro de nome Eustáquio estava no alpendre junto a um peão seu empregado quando teve uma ideia de jerico. No terreno defronte estavam vários urubus. Eustáquio propôs então ao boia-fria:

– Vamos pegar um urubu?

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– Um urubu? Pra quê?

– Você já vai ver. Vai buscar um laço!

O peão obedeceu e laçou um dos urubus, que entregou ao fazendeiro. Este, apanhando um pequeno chocalho, amarrou-o fortemente nas asas da ave, que depois de solta passou a voar estranhamente com o pequeno guiso pendurado.

Patrão e empregado se divertiram com a ideia de jerico, alheios ao sofrimento do urubu com aquele chocalhar permanente em suas asas. Por toda a parte em que o urubu passava era logo identificado pelo som característico que fazia com que o povo exclamasse:

– Lá vai o urubu do Eustáquio!

Passaram-se os anos e volta e meia, aqui e ali, a passagem do grande pássaro ficou marcada pela história do chocalho, que o tornava conhecido em toda a redondeza, espalhando a notícia da barbaridade:

– Lá vai o urubu do Eustáquio!

O tempo passou, o urubu voou e Eustáquio começou a sofrer com os seus negócios. Primeiro vendeu parte de sua propriedade. Depois, a decadência começou a bater na sua porta. Acabou por passar para os credores a fazenda de café que possuía, chegando ao ponto de não ter onde morar, indo residir de favor na casa da sogra. Por fim, como nunca se deu com a sogra, Eustáquio passou a esmolar pelas estradas do norte do Paraná. Desgraça pouca é bobagem, acabou ficando cego.

Certo dia foi encontrado morto em frente à Igreja Matriz de Jacarezinho. Quando levaram o corpo para ser velado no casebre do antigo peão, ouviram um som sinistro nas cercanias. Olharam e viram o urubu do chocalho fazendo voltas a pouca altura. Quando acomodaram o corpo na sala de chão batido, o urubu veio e pousou na janela, aos pés do cadáver. Com frio na barriga, ninguém teve coragem de se mexer. Quando finalmente alguém decidiu espantar o terror, o urubu permaneceu indiferente, só saindo quando o acuaram quase que tocando no negrume das penas. Mas a ave aziaga não foi muito longe: pousou numa árvore a ali permaneceu por toda a noite. No dia seguinte, quando saiu o enterro, a cena jamais vista no norte velho: o urubu seguiu o cortejo até o cemitério, chacoalhando lugubremente, compondo uma música fúnebre que aterrorizava a pouca gente que via aquela sinistra exibição de vingança.

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O desfecho da história, que não se sabe se de mentira ou de verdade, não serve de consolo para a torcida coxa branca. O que se sabe e se sente é que, por um longo tempo, o Coritiba vai sobrevoar o Paraná com um chocalho amarrado às asas, acompanhado pelo murmúrio:

– Lá vai o urubu do STJD!