O último Carnaval do bicheiro

Morreu em Miami o ex-corretor zoológico Oswaldo de Souza, o Afunfa. Foi o maior e mais controvertido nome do Carnaval curitibano de todos os tempos. Era um bamba não pelas suas habilidades de mestre-sala ou mestre de bateria. Ginga não tinha nenhuma, mas tinha cintura para alegrar a Escola de Samba Escola Mocidade Azul com o mais importante: a verba do jogo do bicho.

Afunfa era o Castor de Andrade da Água Verde. Nascido em Paranaguá, veio de uma prole de 13 irmãos. Sua mãe, descendente do lendário Juca Tigre da Revolução Federalista, chegou a ser rainha do Carnaval de Paranaguá. O pai, Roque da Silva, era um catarinense que no ano de 1922, no centenário Independência do Brasil, foi de Paranaguá ao Rio de Janeiro de canoa. Ganhou um prêmio de 50 contos de réis que até hoje a família não viu a cor do dinheiro.

O Carnaval de Afunfa começou em Paranaguá, mas só foi cair no samba em Curitiba, quando aderiu ao Bloco Ases da Alegria, passando depois para a Escola D. Pedro II. Em seguida, com sua vasta experiência de moleque que ganhou os “tubos” vendendo frascos de lança-perfume, comandou a transformação da D. Pedro II em Mocidade Azul, a campeã das campeãs.

Na melhor tradição zoológica, Afunfa investia grande parte de seus imensos lucros na manutenção de uma escola de samba que não faria feio no Rio de Janeiro. Assim poderoso e generoso, era acusado pelos dirigentes das outras agremiações de inflacionar a festa. Contratava figurinistas e coreógrafos profissionais, comprava o passe dos melhores passistas e ritmistas das outras escolas. “Minha alegria é fazer um carnaval bonito para a cidade”, dizia, e respondia as acusações dos vencidos com espírito esportivo: “O mais importante não é competir, é vencer. E vencer no grito, se necessário”. No final das apurações, o grito que dava na Marechal Deodoro ecoava pela Rua Emiliano Perneta mais do que um berro de Tarzan.

Afunfa era um dos raros bicheiros que assumiam a contravenção. Apesar de várias vezes na cadeia, não tinha papas na língua: ” Em época de eleições, o governo sempre fica em cima. Os bacanas precisam de dinheiro para tocar a campanha. E a polícia sempre levou o dela porque funcionário público sempre foi mal pago. O jogo do bicho, por ser honesto, vai acabar. Não vejo muito futuro no jogo do bicho em Curitiba”.

Depois de 35 anos de Carnaval, Afunfa foi ao fundo do poço num episódio trágico com a mulher, passou um tempo na cadeia, perdeu o poder na contravenção e acabou dando certo em Miami, onde ao lado dos filhos se estabeleceu no comércio e assistência técnica de produtos de informática. Já aposentado e enfim desfrutando de algum sossego, a última notícia que recebemos do carnavalesco veio por e-mail na manhã de sábado passado:

– Sr. Dante: serve este para informar que o Sr. Oswaldo, o Afunfa, faleceu ontem, nos EUA, vítima de problemas cardíacos.