O Thezouro da Cruz Machado

Seguindo o exemplo das ruas Riachuelo, São Francisco e Saldanha Marinho, um misterioso empresário deseja iniciar uma campanha de recuperação da Rua Cruz Machado. “Aquela rua da amargura precisa mudar de nome”, lamenta o bem sucedido atacadista de um produto químico chamado benzoilmetilecgonina.

O nome pode parecer estranho, mas quem é do ramo sabe muito bem que se trata do sobrenome da cocaína. Com matriz no Batel, o atacadista deseja a recuperação da Cruz Machado para fazer frente à concorrência desleal dos distribuidores de crack: “Antes a Cruz Machado atendia consumidores da classe A e B, agora é tomada por pequenos traficantes que não dão camisa pra ninguém. Muito pelo contrário, roubam a camisa”.

Para botar a Cruz Machado no bom caminho, a maneira mais simples seria mudar de nome. “Mas qual nome?” – indaga o senhor da benzoilmetilecgonina.Uma das hipóteses seria voltar ao nome original: Travessa do Thezouro. Assim chamada até 1902, a velha Cruz Machado era uma viela estreita e mal cuidada que começava na Rua do Rosário e abrigava a Secretaria das Finanças, Comércio e Indústria. Conforme o historiador Valério Hoerner Júnior, a mudança de nome surgiu porque “a edilidade (vereadores) de Curitiba estava às voltas com o patenteamento de uma velha ideia: homenagear um senador mineiro que entre 1843 e 1853 fora um dos defensores da Emancipação do Paraná, ou seja, da transformação da Quinta Comarca de São Paulo em Província do Paraná”. Com todo o respeito ao município de Cruz Machado, o mineiro Antônio Cândido da Cruz Machado não merecia tanto. Como se paranaense fosse, na verdade o mineiro desejava apenas defender uma causa contra São Paulo, dentro dos interesses da política Café-com-Leite.

Na época, quando a Travessa do Thezouro era um vergonhoso lamaçal, os vereadores acharam que a Rua do Rosário seria a ideal para receber o nome do mineiro ilustre, por ser quase toda calçada. Mas os padres foram contra, afinal a Rua do Rosário possui o carisma da Igreja dos Mortos, ou das Almas. Depois de tentarem mudar o nome da Riachuelo para Cruz Machado, a barganha não deu certo porque seria reconhecer os erros da Guerra do Paraguai. Como alternativas, a Rua Alegre era insignificante demais e mexer com a 13 de Maio seria politicamente incorreto. 

Quando perguntam ao percursionista Fernando Loko porque ele está afastado da noite curitibana, a frase está no gogó: “Todo mundo tem a sua cruz. A minha é a Cruz Machado”. Apesar dos pesares, bem mais feliz é o atacadista de benzoilmetilecgonina, o único com a chave do Thezouro.