O tarado e o estadista

(De Paris) No berço das revoluções, é estrondoso o silêncio que se seguiu à prisão em Nova York do diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Kahn, acusado de atacar sexualmente uma camareira do hotel onde estava hospedado.

Silêncio estrondoso porque tinha um tempo em que as manchetes dos jornais berravam nas bancas e os leitores se reuniam nas esquinas para trocar ideias sobre os acontecimentos impressos. Eram os murmúrios das ruas. Hoje resta o silêncio: as pessoas vão à internet para comentar o que vai por esse mundo afora, esse “mundo Kahn”.

Favorito para se tornar o candidato do Partido Socialista à Presidência da França na eleição do ano que vem, o gerente do FMI vai para a galeria dos célebres predadores sexuais, onde já estão inscritos John Kennedy, Bill Clinton e François Mitterrand, o presidente da França que por 14 anos no poder levou uma vida sentimental dupla e só revelada após a sua morte. Além de Silvio Berlusconi, o pândego presidente italiano que seguramente vai convidar Strauss-Khan para fazer um “bunga-bunga” na Grécia e em Portugal, países que topam qualquer sacanagem coletiva no leito do FMI.

Como se diz no “mundo cão”, Strauss-Kahn é uma “puta velha”: em 2008 ele assumiu ter tido um caso com uma funcionária do FMI, a economista Piroska Nagy, casada com um ex-presidente do Banco Central argentino e, para avolumar o prontuário do garanhão, agora o advogado francês David Koubbi disse que Tristane Banon foi atacada pelo predador há dez anos, quando a escritora foi entrevistar o então ex-ministro das Finanças francês em um apartamento.

Líder socialista estranhamente acostumado a se hospedar em hotéis cinco estrelas e a se exibir com carros milionários, Strauss-Kahn era na França “um cidadão acima de qualquer suspeita”. Um líder de esquerda que se eleito poderia ser elevado às alturas de Georges Pompidou e Jacques Chirac, por exemplo.

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Com um minúsculo apartamento (studio) alugado junto ao Centre Georges Pompidou (museu e centro cultural Beaubourg), fomos recebidos em Paris por um estadista em pessoa. No final da tarde de terça-feira passada, depois de passarmos em revista as galerias de arte da Rue de Seine, estávamos sentados no interior do Café La Palette quando um senhor muito alto adentrou ao bar, lépido e fagueiro. Cumprimentou a todos com seguidos acenos, apertou a mão de um rapaz que o abordou com reverência, e se acomodou numa mesa protegida da rua, às nossas costas, com três acompanhantes.   

Era Jacques Chirac. Já curvado sob o peso da idade, o ex-presidente da França é um resistente. E resiste com elegância. Bem como resiste a democracia francesa, acima e abaixo dos lençóis. Com ou sem a Carla Bruni.