O sonho que está passando

Jaime Lerner não está em campanha, mas de tão solicitado, está cantando sozinho:

Não sou candidato a nada / Meu negócio é madrugada / Mas meu coração não se conforma / O meu peito é do contra / E por isso mete bronca / Neste samba plataforma.

Entre uma e outra conversa ao pé do ouvido (a última foi com Gustavo Fruet), na manhã de ontem foi entrevistado pela rádio CBN em rede nacional. Em poucas palavras, o urbanista comparou uma cidade a uma tartaruga: “Tem habitação, movimento e seu casco se parece com um desenho urbano. Se tirarmos o casco, ela morre. Cidade é vida, trabalho e lazer. As questões são a mobilidade, a sustentabilidade e a convivência. Não adianta morar em condomínios afastados pensando em segurança. Quanto mais alto o muro, mais gente estará esperando lá fora. É necessário tolerância”. E sobre as eleições, Lerner disse que é preciso acabar com promessas. “Qual a ideia, o sonho, o projeto das pessoas, definir com clareza o que a população deseja”.

Como antigo discípulo (hoje interpretando o papel de Salieri, o olhar invejoso de Mozart), numa das últimas eleições para prefeito o candidato Rafael Greca lançou ao debate uma frase à altura de Lerner:

– Todos os candidatos estão prometendo menos que a nossa Curitiba já tem.

O sobrinho da tia Chiquita sabe o que fala. Quando postulante, também prometeu e nos ofertou, entre outras coisas, a bela coleção de Faróis do Saber, hoje não só mais um dos ícones da cidade, como também nome de aperitivo: o “uísque farol do saber” consiste de três doses choradas de um bom escocês, copo fino e alto, e gelo ultrapassando o amarelo da borda. Depois do segundo “farol do saber”, qualquer energúmeno se torna inteligente. Assim como o próprio Greca o é, ao natural ou calibrado.

Com efeito, todos os candidatos estão prometendo menos que Curitiba já tem, e merece. Os meninos se apresentam modestos, acanhados. Até parece que estão discursando para os pais em noite de formatura, dentro de terno justo, colarinho engomado e sapato apertado. Ânimo, rapazes! Tentem, inventem, façam tudo ainda mais diferente. A cidade está mal acostumada e não quer mais nada de menos, quer mais. Curitiba costuma expulsar do templo os profetas do menos. Só escuta e acolhe os profetas do mais. A imaginação de Curitiba não aceita o que for de menos, queremos e merecemos tudo o que for de mais, além da imaginação.É o sonho que está passando!