O que os outros dizem de todo este calor

O desagradável do verão em Curitiba não é propriamente o calor. São os outros. O que os outros vão dizer. Num certo final de tarde, num dia excepcionalmente quente como agora, estávamos na calçada do bar Ao Distinto Cavalheiro tomando um chope quando dois simpáticos executivos da Rede Globo aqui em Curitiba se acercaram do balcão e um deles veio me perguntar:

– Em Curitiba isso já é permitido?

Como se eu me olhasse no espelho, conferi o meu traje de carioca: sandália havaiana, camiseta branca e bermuda creme. Assim como estava, poderia desembarcar sem nenhum trauma no Leblon, na calçada do bar Bracarense.

– Por quê? – devolvi a pergunta.

– Quando volto ao Rio de Janeiro – respondeu o primeiro carioca -, a primeira coisa que eu faço é me livrar do terno e da gravata. Visto a bermuda e vou para o balcão do boteco tomar um chopinho. Exatamente do seu jeito!

– Aqui em Curitiba parece que isso ainda não é permitido! – completou o segundo carioca.

Paulo Leminski escreveu em 1982 uma crônica com este título: “O que os outros vão dizer”, da qual aqui vai um trecho: “Cresci à sombra dessa frase-ameaça, símbolo/síntese/totem da nossa (curitibana) pudicícia, timidez, excesso de respeito pela opinião alheia. Os outros são uma loucura. Tem um que. Tem um outro. Tem um que outro. E tem cada um outro que vou te contar. Outro é o tipo de negócio que nunca vai faltar. Para cada um que sim, tem um outro que não. E talvez um outro. A opinião dos outros já me tirou o apetite. Um outro já não me deixou dormir”.

Leminski terminou o texto com um bom conselho: “Hoje, para mim, o outro entra por um ouvido. E sai por outro”.

Da conversa com aqueles dois executivos cariocas, depois publicada no meu livro “Curitiba: Melhores Defeitos, Piores Qualidades”, se passaram alguns anos. Curitiba já não é mais a mesma – os executivos de todos os cantos do mundo já tomaram conta dos botecos -, o que levou o ex-prefeito Jaime Lerner a constatar que até o calor está mudando o nosso sotaque.

O sotaque, o comportamento e o humor, nos conta Ernani Buchmann, pois as altas temperaturas deste verão tiraram do armário o figurino carioca das mocinhas da cidade e fizeram adaptar da internet alguns chistes da melhor qualidade. O que prova que uma das piores qualidades do curitibano é saber se enxergar e um dos melhores defeitos é rir de si mesmo. Apesar do que dizem os outros.  

– O calor é tanto, mas tanto, que tem muito bacana em Curitiba pedindo para ser recebido pela ex-esposa com a maior frieza possível. E o mais surpreendente: em função da temperatura, o curitibano se tornou um ser tão efusivo que já está cumprimentando os vizinhos no elevador.