O que faz a pinga de Morretes

Uma história convidativa para quem vai descer a serra. No final do Século XIX, o italiano Giovanni Rossi – o fundador da Colônia Cecília em Palmeira (1890) – visitou um amigo Diogo Diaz em Morretes. Numa tarde de setembro foi recebido com um farto jantar e depois se acomodou numa rede para beber cachaça com o hospedeiro.

Os anos se passaram e Rossi escreveu o ensaio “Visão de um bêbado, contada por ele mesmo”, com a seguinte introdução: “Entre uma xícara de café e uma dose de pinga, o dono da casa oferecia-me charutos de bom tabaco, aromático e forte. Para um abstêmio como eu era, isso era mais do que suficiente para me remexer o cérebro, ainda mais naquele dia, em que, durante um passeio de barco no maravilhoso rio Nhundiaquara, tinha tomado um pouco de sol tropical.”

Assim levado pelos eflúvios da pinga de Morretes, Giovanni Rossi segue contando a utopia sobre o Paraná do Século XX, com o amigo de Morretes perguntando ao anarquista se ele acreditava no espiritismo:

– Não, não acredito nisso, seu Diogo Diaz. Só acredito em fenômenos naturais, cientificamente apurados.

Seguidor de Allan Kardec, Diogo Diaz abriu então um longo discurso, tentando convencer o cientista Giovanni Rossi de que as forças mediúnicas podem ressuscitar os mortos para nos descrever o futuro.

– O senhor quer experimentar? – perguntou Diogo Diaz.

– Experimentar o quê?

– Evocar um espírito. As pessoas dizem que sou um médium razoável, e já várias vezes os espíritos têm respondido à minha chamada.

– Pode começar a evocar! É meia-noite, a melhor hora. Brindemos à saúde do espírito, antes de perturbar-lhe a paz!

Aos poucos, na penumbra da sala um corpo foi se delineando até se revelar o espírito do doutor Grillo, um médico e amigo comum.

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Disse então o espírito:

– Surgiu em nosso país um enérgico movimento anti-político. As baixarias, as roubalheiras e a violência, que no último período da revolução haviam se alastrado por todos os lugares, já tinham afastado muitos cidadãos de qualquer política partidária. A pilhagem sistemática do tesouro público, o ridículo desejo de glórias de nulidades intelectuais, que nos postos mais altos do poder abriam a cauda de pavão de sua estupidez, a evidente aspiração da oposição de derrubar o partido dominante para dar continuidade ao jogo dele, mostraram a muitos paranaenses o que nós já sabíamos, ou seja, que sempre o governo é constituído por comediantes, trapaceiros, bandidos, com a única finalidade de aproveitar a situação para sua própria vantagem e a de seus favoritos. Os primeiros que chegaram a ter essa exata e clara concepção de política lançaram o grito de batalha: Abaixo o governo! Viva a iniciativa individual! Viva a livre associação! Eram só um punhado de homens, e, em pouco tempo, tornaram-se um batalhão; começaram então com uma reação contra a política e os políticos corruptos!

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Quando acabou a pinga de Morretes, Giovanni Rossi viu o espírito sumir na neblina do Nhundiaquara:

– Olhei o dono da casa que dormira no sofá. Pulei da rede e, ainda com a sensação daquela noite extraordinária, saí para respirar o perfume das flores de laranjeira, enquanto de uma moita de café, de uma linda cor verde, se levantava para o céu o canto maravilhoso do sabiá, como uma saudação ao sol que estava despontando no Oceano Atlântico.

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Os produtores de Morretes precisam botar no mercado uma nova cachaça. Em honra ao doutor Giovanni Rossi, com esse nome: “Pinga do velho anarquista”. Depois do terceiro trago, derruba até o governo!