O poeta solteiro e o santo casamenteiro

Fernando Pessoa nasceu no dia 13 de junho. Dia de Santo Antônio de Lisboa. O poeta não era nenhum santo, apesar de celibatário até morrer, com 47 anos, suspeito de uma virgindade ameaçada somente uma vez, quando caiu nas graças de uma datilógrafa lisboeta chamada Ofélia Queiroz (1900-1996).  

Porque permaneceu solteiro é um mistério que só mesmo Santo António casamenteiro sabe explicar, pois foram mais de 30 mil cartas que o poeta deixou num baú (“Deixem estar, que, quando eu morrer, ficam cá caixotes cheios”), sendo que 272 delas são de uma datilógrafa chamada Ofélia. Pessoa escreveu apenas 51, todas a revelar o que ele menosprezava: o namorado ciumento, atrevido, lírico e erótico.

No Dia de Santo Antônio, os lisboetas se revelam tão festeiros quanto os portugueses que deram origem às mulatas no Brasil. Jarrinhos de manjericos (algo parecido com o manjericão) são postos nas janelas enfeitadas de colchas e toalhas coloridas, presentear os enamorados, enquanto as moças repetem em coro o mesmo refrão: “Santo Antônio, Santo Antoninho, arranje-me lá um maridinho”.

No jarrinho do manjerico das barraquinhas (foto), a bandeirinha no cravo vermelho traz versos como estes: “Esta vida é tão linda; Quando se ama alguém; Quando te amo a ti; Como nunca amei ninguém”.  

A causa da solteirice de Fernando Pessoa deve estar no seu próprio “Livro do desassossego”, onde o poeta – logo ele, também suspeito de homossexual – dá alguns conselhos às mulheres mal casadas que, segundo ele, são todas as mulheres casadas, e algumas solteiras:

“Livrai-vos sobretudo de cultivar os sentimentos humanitários – incita o poeta. O humanitarismo é uma grosseria. Escrevo a frio, racionalmente, pensando em vosso bem estar. A arte toda, toda a libertação, está em submeter o espírito o menos possível, deixando ao corpo, que se submeta à vontade”.

A seguir, Fernando Pessoa ensina às mulheres malcasadas como trair o marido em imaginação. “Acreditem-me. Só as criaturas ordinárias traem o marido realmente. O pudor é uma condição `sine qua non´ de prazer sexual. O entregar-se a mais de um homem mata o pudor. Concedo que a inferioridade feminina precisa de um macho. Acho que, ao menos, se deve limitar a um macho só, fazendo dele, se disso precisar, centro de um círculo, de raio crescente, de machos imaginados”. 

Pelo que o poeta pessoa dá a entender na sua prosa, no Dia de Santo Antônio ele nunca deve ter recebido um jarrinho de manjerico de alguma rapariga. Ou não teria se casado com o seu baú de 30 mil cartas.