O peso de cada um

Na era vitoriana (entre 1837 e 1901), quando abundavam as mais incríveis fantasias a respeito dos mares, uma delas dizia que há zonas no fundo do mar além das quais os objetos não afundam. Um navio de ferro que fosse a pique, por exemplo, afundaria até atingir o nível em que a água tivesse viscosidade que o impedisse de ir além. Como se acreditava na teoria de que, como a densidade da água aumenta com a pressão (na verdade a água é praticamente incompressível), o navio permaneceria ali, suspenso na água por toda a eternidade.

Acreditavam os contemporâneos da Rainha Vitória que baldes cheios de prego desceriam mais fundo do que uma canoa furada. Cavalos ficariam abaixo de sapos. Cadáveres de pessoas desceriam até um nível determinado por sua obesidade. Numa faixa o gado perdido, em outros estágios, móveis velhos, rebocadores oceânicos naufragados, revólveres desovados, trens descarrilhados, animais de estimação indesejados, bandidos executados, piratas decapitados lá no fundo e quase na superfície as criancinhas afogadas. O peso dos pecados e da consciência, diziam os mais piedosos, forçaria os menos virtuosos a descer mais que os justos.

O Brasil encalhou na era vitoriana. Na vastidão dos mares do sul, nossas mixórdias políticas, afundadas e depositadas em camadas relacionadas com o peso do poder, têm como sina pairar eternamente nos níveis superiores do mar, suspensas para sempre na superfície salgada.  

Seria o caso do secretário municipal de Trânsito (Setran), Marcelo Araújo. Com 202 pontos na carteira, como revelou o jornalista Celso Nascimento na Gazeta do Povo, “agiu até agora como único juiz de seu próprio destino: entregou a carteira ao Detran, se inscreveu para fazer o curso de reciclagem (no qual espera ser aprovado) e comunicou o povo e o prefeito de que ficará uma semana afastado do cargo”.

Livre, leve e solto, Marcelo Araújo é um fenômeno da física. Não cai pra baixo, cai pra cima. Vai ficar uma semana flutuando. Enquanto isso, que engorde bastante nas horas vagas.