O Paraná diferente

Em meio ao bombardeio de notícias sobre violência, corrupção e incompetência, o escritor e jornalista Luciano Pires levou um susto com uma ilha de excelência no interior do Brasil: Entre Rios, distrito de Guarapuava, núcleo de imigrantes suábios do Danúbio que desde 1951 ajudaram a mudar a paisagem rural do Paraná, e do Brasil.

Concorrido palestrante de São Paulo, Luciano Pires conheceu por esses dias o que muitos urbanoides não têm olhos e paciência para enxergar: “Entre Rios representa o Brasil que precisamos. E sabe de uma coisa? Existem dezenas, centenas de Entre Rios pelo Brasil. Pena que falar deles não dá audiência”.

O jornalista conta, perplexo, que depois de desembarcar em Curitiba pegou três horas de estrada: “E dá-lhe chão!”. Ao chegar, uma sucessão de surpresas: “Ao deixar a estrada principal para entrar em Entre Rios, parecia que eu havia saído do Brasil.

O complexo da Cooperativa Agrária está distribuído ao longo de uma estrada em formato de “u” que sai e retorna para a rodovia principal. Quando você entra nessa estrada secundária, muito bem cuidada, começa a ver paisagens inesperadas. Os campos plantados, tudo muito bem tratado, e a cada dez quilômetros uma comunidade.

São agrupamentos de casas com arquitetura europeia e um clima muito diferente do nosso. Pequenas comunidades com recursos modernos, casas bonitas, sem cercas e com grandes gramados. Parecia que eu estava no interior da Europa”.

Depois de um imenso churrasco para quase mil pessoas, uma imensa festa comunitária de interior onde todo mundo conhece todo mundo, Luciano foi para o local da palestra, dando de cara com um excelente auditório, bonito, construído para ser um auditório e não apenas adaptado. Cadeiras confortáveis e capacidade para 800 pessoas, som e imagem de primeira: “Juro que eu esperava um galpão improvisado. (…) Nada demais, se eu não estivesse dentro de uma cooperativa agrícola, em meio a uma comunidade do interior do Paraná. Eu estava rodeado de profissionais de primeira linha, gente viajada e antenada com o que existe de mais moderno nas teorias de administração pelo mundo”.

O Brasil e os brasileiros que vivem em Entre Rios são os que não aparecem em nenhum telejornal, um alento para qualquer forasteiro: “São um exemplo de como este país é muito maior que os cadáveres das favelas, os dólares nas cuecas, a corrupção institucionalizada, a incompetência educacional, o desmatamento incontrolável ou o sistema de saúde deteriorado que nos envergonham”.

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A história dos suábios do Danúbio se confunde com a história da Alemanha, da Áustria, da Hungria e de outros países do sudeste da Europa, do século 17 até meados do século 20. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, o Império Áustro-Húngaro se dissolveu e as regiões habitadas pelos suábios do Danúbio se viram divididas pelas fronteiras de vários países. Durante e depois da Segunda Guerra, muitos suábios deixaram o sudeste da Europa, dirigindo-se à Áustria, onde viveram em abrigos para refugiados. Expatriados, uma instituição filantrópica suíça (Schweizer Hilfe) organizou então um projeto de ajuda para 500 famílias suábias que se encontravam na Áustria, visando à criação de uma cooperativa agrícola no Brasil como uma trilha para um novo futuro. Assim nasceu em 1951 a Cooperativa Agrária e a colonização de Entre Rios nos campos de Guarapuava.

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Entre Rios é o “Brasil Diferente” de Wilson Martins. Em 1979, numa palestra na Casa Romário Martins, o mestre constatou que os estratos iniciais da imigração europeia já se tornaram matéria mesmo do Paraná. Em cima dessa “camada geológica” do primeiro Paraná foi sedimentado o segundo Paraná. Ou já o terceiro: é o Paraná das migrações internas, brasileiramente convencional. É o Paraná da Grande Curitiba, com todas as qualidades e misérias do atual “assentamento geológico”.