Filial maior que a matriz, o Brasil é o maior país católico do mundo, mas para um casal gay conseguir registro de casamento na Itália é um milagre que só poderia ser comparado a um bizarro matrimônio de Sílvio Berlusconi (Berluscome) com Carla Bruni. Pois o impossível aconteceu, foi o “miracolo” da burocracia.

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Quem conta é Stefania Parmeggiani, no jornal italiano La Reppublica. A livre tradução foi feita aqui, no fundo de quintal.

Na Itália existe ao menos um casal homossexual legalmente casado. Não por uma escolha política iluminada, mas graças à burocracia. Que foi enganada e, trocando um nome masculino por feminino, acabou por inserir nos registros de estado civil as núpcias, celebradas em São Francisco, Califórnia, entre dois homens.

Enquanto, na Itália, a questão está à espera do veredito da Corte Constitucional (chamada em causa dos Tribunais de Veneza e de Trento, que consideraram fundamentadas as razões dos casais homossexuais que pediram a conquista do instituto do matrimônio), surge do próprio estado civil italiano um caso surreal, feito de equívocos. Uma história que permite aos seus protagonistas dizerem-se casados frente à lei, em um país no qual não são reconhecidos como tal nem mesmo os casais de fato.

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São protagonistas um bancário italiano de 36 anos e seu companheiro, consultor fazendário francês um ano mais novo. Conheceram-se em Frankfurt há dez anos e logo decidiram conviver. Casal sólido e fiel, foram morar em Paris, onde compraram casa e fizeram projetos para o futuro. Um deles, a viagem de férias à América.

No voo, a coincidência que mudou a vida do casal: naquele setembro, a Califórnia começou a aceitar o casamento de não residentes do mesmo sexo. O referendo ainda não saiu, mas em São Francisco os homossexuais exibem os documentos e se juram fidelidade na alegria e na tristeza.

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Explica o italiano de 36 anos: “Meu companheiro inicialmente estava titubeante em casar, estaríamos sozinhos, sem família e amigos. Eu, ao contrário, o desejava porque queria me sentir finalmente uma pessoa “normal’, não mais da série B. Pensava também que o pedido de transcrição na Itália me seria negado: queria recorrer à Corte Europeia de Direitos do Homem, combater uma batalha de civilização”.

Em São Francisco, realizaram uma cerimônia privada, sem testemunhas, um tripé com a telecâmara a captar a emoção de sentir que o amor não tem barreiras. Nem fronteiras, contando com passaporte.

Alguns meses mais tarde, convidaram amigos e familiares na França para uma festa na qual projetaram o vídeo da cerimônia: “Havíamos pedido ao juiz de paz para podermos nos casar sob a jurisdição do município francês e quando lhe explicamos que não havíamos mudado de fé, porque já a tínhamos de anos, respondeu que não era importante porque aquilo que contava era o círculo que formávamos e que dali em diante nos uniria”.

Reconhecida a união na América e assegurados os direitos na França, faltava ao bancário italiano mudar o estado civil na Itália, de solteiro a casado: “Segui os trâmites burocráticos, reenviando o certificado de matrimônio a Sacramento (EUA) para que as autoridades notariais californianas o convalidassem. Depois de fazê-los traduzir por um tradutor juramentado, recolhi os documentos e os expedi ao Consulado Italiano na Califórnia. Na América, nos atos do matrimônio não há indicações sobre o sexo dos contraentes, mas apenas seus nomes. Meu companheiro tem um nome que termina com “e’, confundido frequentemente com nome feminino. Não fizeram perguntas, colocaram todos os carimbos necessários e transmitiram tudo para a Itália, ao município onde consto como residente no exterior”.

O ato do matrimônio foi transcrito e aconteceu o milagre da burocracia: são casados para todos os efeitos. Neste romance de final feliz e miraculoso, o bancário italiano só lamenta uma coisa:

– Pena que meu marido figure no papel como mulher.