O nó da gravata

Na manhã de sua execução, num dia do século XIX, o inglês Neill Cream, que alguns dizem ter sido Jack, o Estripador, ajeitava o nó de sua gravata, com gestos suaves e elegantes. Nisso, enfiando a cabeça pela grade da cela, um bondoso carrasco lembrou-lhe:

– Acho que a gravata não será necessária nesta manhã, sir!

Quem está precisando atualmente de um caridoso carrasco em sua vida, cochichando todas as manhãs em frente ao espelho, é o rabino Henry Sobel:

– Acho que a gravata nunca mais lhe será necessária, senhor!

Mais que um nó, o furto das gravatas foi uma nódoa na biografia de Sobel. Rendeu muitas piadas e, sobretudo, muita discussão. Numa mesa de bar, o bate-boca ficou acalorado quando um dos circunstantes subiu na cadeira e fez a defesa de Henry Sobel, suas pregações, suas posições políticas em defesa dos direitos humanos, enfim, suas reconhecidas qualidades que não são poucas. Depois do veemente discurso, o defensor de Sobel desceu da cadeira e ouviu de um camarada o juízo final:

– Tudo bem. Ele pode ser tudo isso e mais um pouco. Só que, como roubou, agora também é ladrão. E não se fala mais nisso!

Até podemos compreender os motivos de ordem psíquica que levaram o respeitado rabino a tal desatino. O que não se compreende é porque o homem se obrigou a viver grande parte de sua vida com essa execrável, absurda e inútil gravata apertada no pescoço.

Acima de tudo um desconforto, há mais de 300 anos o homem vive com essa corda no pescoço. Esse criminoso objeto de desejo do rabino Sobel nasceu na Croácia e foi copiado pelos franceses. Os soldados mercenários croatas da Royal Cravate tinham no uniforme, à altura do peito, um pedaço de pano branco; uma espécie de distintivo a kravata. Luis XIV viu, gostou, adaptou e lançou um pano em volta do pescoço, caído e aberto no peito. Para puxar o saco do rei, um tal de Steinkerque, oficial do Exército francês, achou de juntar com um nó, na altura do gogó, as duas partes do pano. Deu no que deu. E bem feito para os súditos de Luis XIV: depois da gravata, foi inventada a guilhotina – outro adereço para o pescoço que ficou para a história.

A gravata é um incômodo assessório do vestuário adotado por ricos e remediados, pobres e indigentes, gênios, mocinhos e bandidos. Embora cada um tenha as próprias razões, no fundo todos acreditam que a gravata é símbolo dos vencedores. Mas as aparências enganam; e por isso o desatino do rabino Sobel causou tanto rumor: seja judeu, católico, adventista, islamita, crente ou descrente, dizem as escrituras,

é mais importante ser do que parecer. Uma criatura vale pelo que é, e seu valor não se mede pelo preço de uma gravata. Seja ela procedente de Miami ou da Praça Tiradentes.

?Dar bom nó de gravata é o primeiro passo sério na vida de um homem?, atestava o escritor inglês Oscar Wilde. Com todo o respeito, o rabino Henry Sobel comprovou uma outra frase de Wilde: ?De perto, ninguém é normal?.

Com gravata, ou sem gravata.

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