O neto de Freud

Nascido na Alemanha e adotado pela Inglaterra quando a família fugiu do nazismo, Lucian Freud foi o mais perturbador e chocante pintor do século XX. Com uma obra de instantânea identificação, seus retratos provocam desconforto e ao mesmo tempo exercem forte poder de atração. Assim como a sua vida pessoal, que era uma ilha solitária e de difícil acesso, cercada de mulheres por todos os lados. Ricas, jovens e belas mulheres. Pelas contas dos jornalistas contemporâneos, alguma coisa como quinhentas mulheres e alguns homens passaram por sua espátula. Não diria cama porque o neto de Sigmund Freud não fazia questão do divã. Ele era adepto do aqui e agora.

Lucian Freud (Berlim, 1922 – Londres, 2011) tinha um orgulho enorme do avô, Sigmund Freud. Não por ele ter criado a psicanálise, mas por ter sido um zoólogo extremamente ilustre. Lucian tinha orgulho de Sigmund ter sido a primeira pessoa capaz de diferenciar o sexo das enguias e de outras espécies ambivalentes ou indeterminadas.O que prova que Freud explicava tudo.

Entre todos os que negociaram as obras de Lucian Freud, quem mais ganhou dinheiro foi o irlandês Alfie Mc Lean, o “bookmaker” do pintor. Ele assumiu a maior aposta de sua vida ao trocar as dívidas de jogo de Lucian por pinturas, que com o tempo passaram a valer dezenas de milhões de libras. Falecido em 2006, Alfie acabou sendo proprietário de 25 quadros, possivelmente a maior coleção da obra de Lucian nas mãos de um indivíduo.

“O jogo só é empolgante se você não tem dinheiro” – dizia Lucian Freud, repetindo sua opinião de que, quando ainda não era uma celebridade, só tinha crédito porque andava com gente muito rica.

Lorde Rothschild era uma dessas pessoas ricas e lembrou um encontro em que o grande pintor inglês lhe disse: “Estou com um grave problema de dívida com os irmãos Kray. Se eu não lhes der 1.000 libras eles vão decepar a minha mão”.

Como Rothschild recorda no livro “Café com Lucian Freud – Um retrato do artista”, de Geordie Greig (300 páginas): “Eu disse que lhe emprestaria o dinheiro, com duas condições. A primeira, que ele nunca mais me pedisse um empréstimo. E a segunda, que ele não me devolvesse o dinheiro. Ele aceitou as condições, mas dez dias depois apareceu um envelope grande na minha caixa de correspondência, com 1.000 libras em dinheiro e um bilhete de agradecimento. Ele nunca mais me pediu emprestado”.

Lucian Freud (que no jogo perdeu uma fortuna hoje incalculável, pois trocava obras pela dívida) nunca se lamentou de perder; nem se arrependeu de deixar de jogar: “Sempre olho adiante, nunca para trás”, dizia ele.