O Menino do Saxofone

Perdemos na semana passada o músico Ary Lunardon, 73 anos, saxofonista dos mais admirados do Brasil. Filho de pais italianos, com o avô proprietário do que se tornou o Parque Tanguá, aos sete anos de idade o menino se dividia entre a enxada e a música, mas se iniciou na vida noturna propriamente dita aos 17 anos. E, como gente grande, começou lendo partitura numa orquestra básica: três saxofones, dois trompetes e um trombone.

Não era nenhuma orquestra do Genésio, o sonho de todo músico da época, mas para quem precisava iniciar no ofício com a permissão do Juizado de Menores, o começo na Casa da Uda – dos mais sortidos bordeis de Curitiba em meados do século passado – foi o primeiro passo de uma carreira que passou pela batuta do maestro Severino Araújo, até chegar ao seu auge, ao tocar por oito anos na orquestra de Roberto Carlos. 

Está no meu livro “Maria Batalhão – Memórias Póstumas de uma Cafetina”, a história de como Ary Lunardon conheceu a Uda, morena jambo linda e formosa, a rainha do Corte Branco do Uberaba. Ao se apresentar na boate com a licença no bolso, o juiz de menores pegou o imberbe saxofonista pelo braço e o levou até o palco:

— Quem é o mais velho do conjunto?

— Sou eu! — se apresentou o gaiteiro.

— Então o senhor fica responsável por esse menino do saxofone. Ele vai trabalhar aqui com vocês, mas se eu pegar o piá com um copo de cerveja, ou fumando — Ouviu, Uda! — já sabem como é o meu sistema: fecho a casa no ato! Tá combinado?

O Menino do Saxofone não bebia, não fumava, até que numa noite caiu na tentação. Com um copo de cerveja, acostumado que estava a dormir em colchões de palha de milho, começou a bocejar.

— Dona Uda, estou morrendo de sono. Vou pra casa. Não consigo trabalhar!

— Menino, não vai pra casa. Faz o seguinte. Descansa um pouquinho lá no meu quarto e depois você volta. Dá uma descansadinha de meia hora. Taqui a chave do meu quarto.

— Mas dona Uda…

— Vai lá!

Timidamente, o menino pegou a chave, guardou o saxofone num lugar seguro e dormiu como nunca tinha dormido numa cama tão boa como aquela, exalando perfume Coty. Com colchão de mola de casal, um raro colchão de mola, o menino não imaginava que naquele ninho do amor tinha até um banheiro anexo.

O galo cantava quando o Menino do Saxofone acordou. A luz ainda estava acesa e, ao olhar para a penteadeira, uma deusa estava se preparando para dormir. De repente, vendo pelo espelho o menino enfiar a cara no travesseiro, Uda se levantou e começou a tirar a roupa.

— Dona Uda — o modesto filho de italianos não perdia o acanhamento —, que horas são?

— Cinco horas.

— Meu Deus do céu! Peguei no sono.

— Não tem problema, menino. O teu saxofone já guardaram. Fica aí quietinho.

— Então eu vou me levantar, dona Uda. A senhora me desculpe mas eu peguei no sono.

— Fica aí, menino! Descansa e não fica preocupado. O teu saxofone está em segurança.

Sentada na cama, aquele mulherão começou a passar a mão nos longos cabelos do menino. Alisar a chuca-chuca. Com ele quietinho, braços encolhidos na cuequinha, encabulado, eis que a dona levanta o cobertor e com suas mãos amorosas alisa as penugens eriçadas da barriga do anjo.

— O que é isso, dona Uda? O que é isso, dona Uda? O que é isso, dona Uda? — e quanto mais ele repetia, mais ele sentia o arfar da mulher que o cobria.

— Menino, fica quietinho. Fica…

Uda deitou ao lado do piá, o lavou com a língua e fez o que tinha para ser feito.

O Menino do Saxofone, por sua vez, retribuiu a generosidade: uma, duas, foram três vezes.

— Menino, você me espanta!

E para espanto do Menino do Saxofone, ao acordarem naquela manhã de alumbramento, Uda se cobriu com o penhoar transparente e abriu o cofre camuflado no canto do quarto:

—Menino, tenho um mimo para você!

Para quem ainda nunca teve relógio, Uda então ofereceu um Rolex novinho em folha. Eram dezenas de relógios guardados no cofre, dos mais caros aos mais ordinários. Faziam parte dos bens penhorados da freguesia que ia além do próprio bolso.