O malandro e o bicheiro

Na semana em que o Rei Momo vai reassumir o poder, dois personagens estão fazendo falta na folia pré-carnavalesca. Sem eles, podemos dizer com toda a certeza que as nossas minguadas escolas de samba nunca serão “autossustentáveis”, para usar uma palavra a gosto dos economistas. De um lado da avenida, o compositor Chocolate. Do outro, o bicheiro Afunfa, um sujeito com ficha policial até para presidir o Senado.

Assim como no Rio de Janeiro, de onde as nossas escolas de samba tentam copiar o modelo, o malandro e o contraventor eram as bases do desfile. Comparando com o financiamento de campanhas eleitorais (dinheiro público ou privado, eis a questão), podemos dizer que o Carnaval vivia do Caixa Dois e sem eles as nossas agremiações nunca mais foram as mesmas.

“Se você é mordido pelo cão, isso não é notícia. Mas se, em vez disso, você morde o cão, aí passa a ser notícia. Eu sou o cara que mordeu o cão e, às vezes, a Prefeitura” – a frase é de Mansueden dos Santos Prudente (1933-1984), o Chocolate.

Ao somarmos todos os carnavalescos da história de Curitiba, vai faltar bamba para preencher o vazio que o Chocolate deixou na avenida. O “último malandro” não era apenas o mais folclórico dos nossos carnavalescos. Ou mais um pedinte da periferia. Era o mais autêntico dos sambistas a se dedicar à luta inglória de fazer carnaval neste “Brasil diferente”. O malandro vivia do Carnaval e para o Carnaval, sem vergonha na cara para confessar a dificuldade de arrecadar verbas e arrebanhar pastorinhas para o seu rebanho. Sempre com um “Livro de Ouro” embaixo do braço, o faz-tudo da escola saía por aí para ganhar o pão de cada dia. Ao visitar a indústria de um velho amigo, Chocolate ia logo para o “principalmente”:

– Morreu o Betinho, passista dos bons. Preciso de uma ajuda para o enterro.

O amigo lhe dava um ajutório em dinheiro, mas invariavelmente completava com uma galhofa:

– Chocolate, este ano sua escola não vai sair no Carnaval. Não é?

– Vai. Por que não sairia? – respondeu Mansueden.

– Mas este é o 18.º sambista que você enterra. E estamos ainda em agosto!

Os carnavais desses tempos politicamente corretos não são mais autossustentáveis. Ressentem-se do Caixa Dois de Afunfa e Chocolate. Fosse naqueles idos da Rua Marechal Deodoro (Avenida é a Marechal Floriano), mesmo na penúria o malandro e o bicheiro estariam cantando na chuva:

“Nós vamos sair / o prefeito não vai contribuir! / Não tem portança / não tem portança / nosso dinheiro tá na porpança!”.